Ele é o "cara"

 

Eu, Eustáquio e Flávio na greve da GM em 85


Senta que lá vem história ...

 

Muito tempo atrás, antes das rede sociais e até das emissora de TV chegaram ao Vale do Paraíba, os “topzeiras” do jornalismo regional eram os  correspondentes dos grandes jornais, que levavam as notícias daqui para todo o país. Acredite, minha gente: “Estadão”, Folha”, “Globo” e “Jornal do Brasil”, entre outros, tinham jornalistas sediados na região e eles eram os “caras”, compondo o que podemos chamar de topo da “cadeira alimentar” do jornalismo regional. Um “dream team”, habilidosos, bem informados, respeitados. Pois bem, nesse grupo seleto tinha um cara que era o “Pelé” do jornalismo regional: Flávio Nery, correspondente do “Estadão”. Eram dele, quase sempre, as principais manchetes, os “furos”, as informações mais quentes. Ele era meu ídolo. Repórter da menor das sucursais do  “ValeParaibano”, eu, “foca”,  lia as matérias dele e pensava: “Um dia quero ser bom como esse cara”. Nem preciso dizer que nunca consegui. Mas, em compensação, tive uma sorte danada. E essa é a história. Um dia, estava na sucursal de Caçapava quando um cara de voz grossa apareceu na minha frente e perguntou: “Você é o Hélcio Costa?”. Eu disse que sim e a resposta, estranha, foi o maior elogio que eu, “foca”, poderia receber. “Foi você que escreveu essa matéria? Olha, até que você não é burro. Se não fizer besteira, pode virar um bom jornalista.” Frente ao meu espanto, o cara de voz grossa se identificou: “Eu sou o Flávio Nery.” E prosseguiu, antes que abrisse a boca: “Já falei com o Válter (Válter do Vale, editor-chefe do “VP” à época) e vou levar você comigo quando aparecer uma matéria legal. Você tem potencial, mas aqui você não vai crescer.” E, assim, do nada, conheci o jornalista que era, para mim, o “cara” e virei, por iniciativa dele, seu “aluno”.

 

Tudo o que eu sou hoje e fiz em 43 anos de jornalismo depois desse dia devo a esse cara, que viu em mim algo que nem eu mesmo via.

 

Flávio me ensinou a ser repórter, a fazer uma boa entrevista, a diferenciar boas e más histórias (“nem tudo que acontece é notícia, notícia é o que interessa às pessoas”, dizia) e, mais importante, a gostar do jornalismo. É com muita alegria que digo: somos amigos até hoje. Em 43 anos de profissão, passei boa parte da minha carreira em cargos de chefia. Fui chefe da Reportagem, editor-assistente, editor-chefe. Muitos profissionais jovens passaram por mim ao longo desse tempo. Sempre que nelee identificava potencial, dediquei tempo, trabalho e atenção, uma maneira de devolver, de alguma forma, tudo o que recebi anos antes, de forma espontânea, altruísta,  do meu “padrinho”. E digo: recebi muito mais do ensinei. Tive outras pessoas que foram importantes na minha carreira. Cito algumas, com o risco de deixar outras de fora: Eustáquio de Freitas, com quem também aprendi muito; Antenor Braido, com quem aprendi a ser chefe de equipe; Ana Lúcia Busch, que me viu como editor; Sheila Faria, ao lado de quem enfrentei muitos desafios. A todos, meu muito obrigado. Mas Flávio foi a origem. Se ele não tivesse tirado um tempo da sua rotina diária (e jornalista tem uma rotina intensa) para conhecer um jovem repórter, um “foca”, em outra cidade, talvez a história tivesse sido diferente para mim.

 

Espero ter sido um bom aluno e que meu professor tenha orgulho de mim. Valeu, meu amigo. Você, para mim, é o “cara”, o melhor de todos nós ...

 

PS: Essa crônica tem um motivo. Estava atrás de fotos antigas e "tropecei" numa imagem em que Flávio, Eustáquio e eu aparecemos juntos, na frente da fábrica da GM de São José dos Campos, durante a greve dos metalúrgicos de 1985. É a imagem aí de cima, enviada pela Flávia Nery, filha do Flávio. Já havia citado algumas vezes, em textos gerais sobre jornalismo, a importância dele na minha carreira, mas nunca havia dedicado uma crônica só para isso. Está feito, no que outro amigo, Tadeu Gobbi, chama de memorialismo precoce.   

 


Comentários

  1. Sem dúvida alguma, esse foi (e ainda é) um dos grandes mestres do jornalismo regional que inspirou muitos da nossa geração. Parabéns pela boa lembrança.

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