Pecados, pecadões e pecadilhos

O STF começou a colocar a casa em ordem esta semana ao suspender o chamado Orçamento Secreto, esse monstrengo criado pelo governo Jair Bolsonaro e pelo Centrão para decidir o destino de recursos federais sem conhecimento público. Através ele, milhões e milhões de reais do Orçamento da União são negociados em conversas de whatsapp, onde se troca a liberação de emendas por votos em projetos polêmicos, como o que furou, recentemente, o teto de gastos. Tudo na surdina. Lembra do “mensalão” PT? Pois é, o Orçamento Secreto é uma espécie de “mensalão” com arcabouço jurídico.

Em 2021, o Orçamento Secreto movimentou R$ 16 bilhões. É um dinheirão em um país onde uma multidão faz fila para comprar osso.

Os dois casos, verbas secretas e fila de fome, são reflexos do buraco em que o Brasil se enfiou. O país deu as costas ao cidadão e transformou em valores vazios termos como responsabilidade fiscal, transparência, direitos humanos, lapidados por décadas como valores essenciais à sociedade. O Brasil do Orçamento Secreto  é o mesmo Brasil onde o presidente decreta sigilo de 100 anos sobre dados banais de governo, mandando para a cucuia a obrigação de dar conhecimento público a seus atos. Ora bolas, presidente, deputados ou qualquer ocupante de cargo público, ninguém é dono do Estado. Todos exercem um poder delegado, uma procuração recebida do cidadão por meio do voto. É o cidadão --e não o político-- o detentor do poder. Um dia já foi assim, mas, hoje, isso se perdeu.

E não é só em Brasília. 

Em São Paulo, o governador João Doria direcionou seu mandato atrás do sonho de ser candidato a presidente. E esse xadrez não exclui São José dos Campos, onde a questão de valores tem sido uma baliza de governo desde Emanuel Fernandes. Essa baliza verga quando o governo trata, por exemplo, de forma sigilosa o caso das blogueiras quer treinaram tiro ao alvo no estande da Guarda Municipal. Pode isso, Arnaldo? Frente aos pecados mortais da esfera federal, esse parece um pecado menor, venial. É e não é. Pecados, pecadões e pecadilhos têm, quase sempre, a mesma essência na política: a falta de limites entre público e privado, aliada à falta de transparência. Se vamos sair do buraco em que o país se enfiou, temos que devolver o cidadão e os valores republicanos ao centro do palco. Sem pecado, nem perdão.

Este artigo foi publicado originalmente no jornal "O Vale"

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