Só pensa naquilo ...


 
Só pensa naquilo …

Com essa frase curta, dita em meio a muitas caras e bocas, a comediante Zezé Macedo fez gargalhar gerações de brasileiros interpretando na TV a personagem Dona Bela, quando a “Escolinha do Professor Raimundo” ainda era comandada por Chico Anysio. Acreditando ser pornografia tudo o que o professor perguntava, ela se jogava no chão, histérica, gritando, programa após programa. As perguntas ajudavam. “Dona Bela, a senhora já levou um chimboré na chincha?”, perguntou, certa vez, o mestre. E lá foi Dona Bela ao chão, aos gritos, com os olhos esbugalhados, língua passando pelos lábios, em um arremedo sensual, dizendo, com voz rouca: “Só pensa naquilo”. Câmera em close, corte, risadas.

Bem, Zezé já morreu, Chico também, mas, no pastelão político em que se encontra o Brasil, é caso de repetir hoje: eles só pensam naquilo.

O governo Jair Bolsonaro vive de ideias fixas. No Carnaval, o presidente da República encrespou com o termo “golden shower”. Num vapt-vupt, a expressão em inglês para designar um fetiche virou polêmica nacional. Depois, outras vieram, algumas sérias, outras não. Pois é, a nova ideia fixa dos cardeais de Bolsonaro é defender, aqui e ali, a volta do AI-5 como panaceia a todos os problemas nacionais. Lula livre? Lá vem alguém defender a volta do AI-5. Manifestações nas ruas? Ora, a solução é o AI-5. No clã, Eduardo Bolsonaro, embaixador sem nunca ter sido, defendeu a vota do AI-5 e seu irmão, Flávio, chegou a defender um AI-6. Coisa de maluco, de quem faltou às aulas de História. Entenda, Flávio, só entre 1964 e 69 foram 17 Atos Institucionais. O AI-6, de fevereiro de 1969, reduziu o número de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) de 17 para 11. Mas a lenga-lenga volta sempre: AI-5, AI-5, AI-5.

Agora quem entoou o mantra foi o ministro Paulo Guedes, ministro da Economia, em entrevista coletiva concedida em Washington.

Foi espinafrado por A a Z do espectro político, mas o recado está, mais uma vez, dado, agora por um dos poucos nomes que ainda gozam de respeito do primeiro escalão da gestão Bolsonaro: confrontado, criticado, ameaçado, cutucado, é sintomático, o governo só pensa naquilo, endurecer o regime. Esse diagnóstico foi feito, esta semana, pelo “Estadão”. Em Editorial, cujo título foi “Inaptidão para a Democracia”, o jornal conservador, que tem simpatia zero pelo PT, Lula e companhia, foi categórico: “Não se pode confundir democracia com liberdade para afrontar os princípios básicos da convivência política e social. E isso tem acontecido com frequência preocupante desde que chegou ao poder um grupo político que, a título de recuperar os ‘valores e tradições’ mais caros à sociedade brasileira, como prometeu o presidente Jair Bolsonaro na sua posse, vem intoxicando a atmosfera do país com truculência e intolerância.”

Dentro e fora do governo, o espectro da direita pró-Bolsonaro flerta descaradamente com a ditadura.

Tem, com sua prática e discurso, tentando solapar as bases da democracia e das instituições brasileiras. O presidente idolatra ditadores e torturadores. Seus aliados mais próximos pregam restrições às liberdades civis. É sintomático que o estatuto do Aliança pelo Brasil, partido que se forma à sombra do presidente, não cite a palavra “democracia”. É sintomática o envio ao Congresso Nacional, agora, do projeto de excludente de ilicitude, uma espécie de licença para matar dada às forças de segurança. Alas do governo pensam, como Guedes, em restringir a liberdade no país em contraponto a críticas e reações à implantação de suas reformas. Temos um governo golpista?

O Brasil já trilhou pelo caminho da ditadura. E, ao invés dos paspalhões que tentam reescrever a História, o resultado não foi bom. 

Mas, por ironia, o país tem hoje um governo que, eleito democraticamente pelo voto popular, ameaça, a todo tempo, jogar a democracia na lata do lixo. Pelo que se viu nos últimos tempos, o governo só pensa naquilo. E quem acredita em um país melhor, mais justo, com mais empregos, melhores salários, menos desigualdades  menos presença do Estado na economia e com amplo respeito às liberdades individuais, pensa no que?

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