Longa jornada noite adentro

O general e os generais


Hoje, 31 de março, é dia de recordar do Golpe de 64. É uma data relevante no calendário da História do Brasil. Mas não há o que comemorar.

Há exatos 55 anos, militares, sob o argumento de evitar uma guinada do Brasil à esquerda, acabaram lançando o país em uma noite que durou 21 anos, durante os quais a Constituição Federal foi rasgada e o aparato do Estado foi usado contra o cidadão, por meio da censura, da perseguição política, das prisões arbitrárias, dos sequestros, da tortura e das mortes. Os golpistas não eram unânimes nas Forças Armadas e não agiram sozinhos. Eles contaram com o apoio de amplos setores da sociedade civil, temerosos de uma iminente ameaça comunista. A solução? A ruptura institucional: derrubar um presidente legítimo, democraticamente empossado, João Goulart, sob o álibi de devolver o país à ordem. O que seria transitório (Castello Branco, primeiro presidente da autoproclamada Revolução de 64, prometia eleições em 65) virou Ditadura Militar, com generais se alternando no poder. Parte do apoio ao Golpe foi se perdendo ao longo dos anos.

Tem gente que tem saudade. Tem gente que chama isso de democracia.

Bobagem. Ditadura é ditadura, aqui e acolá, de esquerda e de direita, de farda ou sem farda, pintada de verde, vermelho ou laranja. Todas, sem exceção, são execráveis. Elas podem até ter sua raiz em boas intenções (em 64, a boa intenção seria evitar a chegada da esquerda ao poder no Brasil), mas todas, sem exceção, se perdem com o tempo. Por isso, é preciso tratá-las como elas são de fato, dar o nome certo a elas para não cairmos na armadilha de uma revisão oportunista da História. O presidente Jair Bolsonaro (PSL), egresso das Forças Armadas, chegou a dizer que o Brasil teve uns “probleminhas”. A “Folha de S. Paulo” chegou a classificar o período de “ditabranda”. Sabem nada, inocentes. Se o bicho tem orelha de lobo, pelo de lobo, dente de lobo e uiva como lobo, batata: é lobo.

Boa parte dos brasileiros não viveu sob a Ditadura, outros nem sabem direito o que houve nos chamados Anos de Chumbo.

Por isso, nunca é demais contar e recontar a história. Não vivemos, de 64 a 85, no País das Maravilhas. Ao contrário. Nesse viés, de refletir sobre o passado, vale até mesmo incluir a orientação de Bolsanaro para que as Forças Armadas fizessem as “comemorações devidas” de 64 neste 31 de março. Viúva da Ditadura, Bolsonaro tem em sua constelação de ídolos o general Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado pela prática de tortura; e, em sua constelação de  bobagens frases como “quem procura osso é cachorro” ou “o erro da Ditadura foi torturar e não matar”. Crente na sua imagem de Mito, Bolsonaro queria causar espuma, atrair likes nas redes sociais. Perdeu, playboy. A Ordem do Dia do Ministério da Defesa foi extremamente contida, correta, em tom conciliador. E terminou com a defesa do papel constitucional das Forças Armadas. É isso aí. Bolsonaro queria fuzarca, impôr sua pauta jurássica ao país, faturar prestígio em cima de sua claque, mas deu, na verdade, um tiro no pé. Teve que pegar seu banquinho e sair de fininho.

No Brasil de 2019, a Ditadura de 64 é História.
Mas devemos sempre lembrá-la por um motivo simples: evitar que erros se repitam, sejam erros da direita, do centro ou da esquerda. Por isso, obrigado, agradeço, senhor presidente, por nos ajudar, do seu jeito atrapalhado, a refletir sobre nosso passado. Agora, vamos voltar a olhar para o futuro?

Este artigo foi publicado originalmente na edição deste final de semana do jornal "O Vale"

Comentários

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Artigo ponderado, mas vale ressaltar que, colocações a parte do Presidente, essas contribuíram também para jogar luz sobre esse fato histórico desmistificando falsos heróis da eaquerda que posteriormente travestidos de democratas e salvadores da pátria pilharam o país e quase o levaram a bancarrota na maior orquestração de corrupção nunca vista na história.

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