A opção pelo sublime



Outro dia contei aqui sobre minha conversão-relâmpago (sqn) ao comunismo em um bate-boca nas redes sociais.

Bem, acho que estamos fora do eixo.

Dias atrás, ao criticar a simpatia-quase-amor de Jair Bolsonaro (PSL) pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, militar condenado por torturas e maus-tratos a presos políticos cometidos durante a Ditadura, uma pessoa de quem gosto muito comentou: “mas, Hélcio, você teve algum parente morto ou torturado? Você fala tanto sobre isso.” Bom, não tive.  Ainda bem. Minha aversão a Ustra é pelo conjunto de sua obra: um horror praticado de forma vil e covarde contra pessoas indefesas. Antes que alguma patrulha de direita apareça, repito: o próprio Ustra admitiu a prática de tortura nos porões sob o seu comando. Está lá, em dois livros autobiográficos. As causas, segundo ele, seriam boas: para defender a sociedade dos terroristas de esquerda. Tá bom, coronel, inventa outra para justificar o Estado como responsável pelo extermínio sistemático de seus cidadãos, sem qualquer base legal, sem processo nem julgamento, pela simples vontade de alguns brucutus escondidos atrás de codinomes como "Doutor Tibiriça".

Mas a colocação da minha amiga me fez pensar ...

Teria eu, como fiel, a obrigação de ter vivido na pele o Exílio da Babilônia para ter o direito de expressar a minha fé? Ou ter sido queimado em alguma fogueira da Inquisição para reconhecer os excessos e as atrocidades que essa fé, mal-utilizada, cometeu (e ainda comete) ao longo da história?  Ou, quem sabe, ter redigido a Declaração Universal dos Direitos Humanos para acreditar que todos nascemos iguais e temos, assim, os mesmos direitos como cidadãos? Ou ter viajado com Yuri Gagarin para saber que, vista do espaço, a Terra é azul? Ou, quem sabe, ter morrido em Treblinka ou agonizado em algum Gulag da antiga União Soviética para saber, sem dúvida alguma, que todas as ditaduras são violentas, nocivas e condenáveis, sejam elas de direita ou de esquerda? 

Ora, somos mais que nossas próprias experiências pessoais.
Somos mais que o feixe de ossos, músculos, tendões e sangue que nos mantém vivos. 

Carregamos sobre os ombros o peso (e, ao mesmo tempo, a leveza) de séculos de história, somos capazes de enxergar além do nosso nariz e de sentir além da nossa pele. Isso nos fez e nos faz humanos. Ou será que perdemos tudo isso nestes tempos bicudos? Será que perdemos a capacidade de conviver, de observar as pessoas e os fatos, de aprender, sem que tenhamos que julgar e condenar o que nos é estranho ou fora da nossa concepção de mundo? Teríamos perdido a capacidade nos projetar no outro e enxergá-lo como igual, com os mesmos direitos que nós, mesmo separados por crenças, credos, ideologias, classes social, CEP, comportamentos? Estamos nos condenando a ser obtusos, quando podemos, apesar de tudo, optar por sermos sublimes, com todo o peso e os desafios que isso nos impõe? Teríamos desaprendido que as convicções são inimigas da verdade, inimigas bem mais perigosas que as mentiras? Teríamos esquecido (ou nunca aprendemos, de fato?) que não há realidades eternas, tal como não há verdades absolutas?

A vida é dura e o futuro, incerto, trabalhoso.
Tenhamos pelo menos, de quando em quando, a opção pelo que de melhor existe no ser humano. Somos humanos, demasiadamente humanos. E isso nos torna especiais ...




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