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O papel do jornal |
Jornalistas
são seres estranhos ...
Hoje
a gente carrega na palma da mão, travestido de telefone, um computador
poderoso, com 256 gigabytes de armazenamento interno, processador Apple de 64
bits e tela HD. Nem sempre foi assim. Teve tempo que computador, só em filme de
ficção científica. O primeiro computador a entrar na Redação de um jornal no
Brasil foi recebido com greve. Os jornalistas temiam, com um quê de razão, que
aquele trambolho de tela de fósforo alaranjado reduzisse a trabalhosa tarefa de fazer notícia.
Mas isso era e é inevitável: a tecnologia abre caminho, vem para ficar. Como gosta de dizer Carlos Alberto
Di Franco, com quem tive aula no Master de Editores da Universidade de Navarra,
jornalistas são seres resistentes quando se trata de romper rotinas.
Pensei
nisso esta semana quando soube da morte de Otávio Frias Filho, diretor de
Redação da “Folha de S. Paulo”.
Otávio,
ou Otavinho, como era conhecido, foi mestre em romper rotinas. Por bem ou por
mal, o que o levou a ter uma legião de fãs e uma legião de críticos de igual ou
maior tamanho. Essa, além de um perfeccionismo atávico, era uma de suas marcas.
Ele fez isso com o “Projeto Folha”, que impôs um novo padrão à produção de
informação nos anos 80; ao criar o conceito de jornalismo crítico, apartidário,
independente e plural, que tantos usam hoje; e ao manter a “Folha” atuante e
com prestígio nas décadas seguintes.
Trabalhei
na “Folha” por 10 anos, no tempo do guaraná com rolha, e participei do processo de consolidação do “Projeto
Folha”, seja como repórter, seja como editor de caderno. Era um choque para o
leitor, para os personagens da notícia e para nós, jornalistas. Lembro que,
logo após a implantação do caderno regional da “Folha” no Vale do Paraíba, a
Regional do Sindicato dos Jornalistas de São José dos Campos fez uma
mesa-redonda para discutir a necessidade ou não do “outro lado” na mesma edição
da notícia principal. Até então, o “outro lado”, tão essencial, era notícia
garantida no dia seguinte. Primeiro editor do “Folha Vale”, Fausto Siqueira fez
uma defesa veemente do direito à informação completa frente a uma plateia
reunida no Tênis Clube em clima de Fla-Flu. E, olha lá, isso em uma cidade onde já havia uma forte tradição de imprensa, sedimentada pelos jornais "Agora" e o antigo "ValeParaibano". Bem, de lá para cá, muita coisa mudou, para
melhor. Muitos reclamam que a imprensa é negativista, é chata, é vendida. Mas, queiram
ou não, hoje, o Brasil produz jornalismo de qualidade. Culpa de Otavinho e de mais alguns teimosos,
como Cláudio Abramo, Alberto Dines, Julio de Mesquita Neto, Ricardo Noblat e tantos outros, que ousaram
romper rotinas, enfrentar a maré e abrir novas fronteiras.
Sempre pensei nisso quando estive à
frente dos jornais dos quais fui editor. Por isso, a eles, Otávio, Cláudio, Alberto, Julio, Ricardo e companhia limitada, meu muito obrigado.
(*)
O título desse artigo é uma citação livre do dístico estampado desde sempre na primeira
página do “The New York Times”, "All the news that's fit to print". É isso aí, esse é o papel de um jornal
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