Perguntar não ofende ...


Muita gente gostou, mas muita gente não gostou das críticas que fiz ao comportamento da imprensa no "Roda Viva" com Jair Bolsonaro (PSL).

Faz parte da vida ...

A maioria que gostou manifestou isso abertamente. As pessoas que não gostaram fizeram suas críticas reservadamente. Cada um, cada qual. Em síntese, os críticos  afirmam que, ao questionar o comportamento dos coleguinhas, eu favoreci o candidato do PSL. Será? Acho que não. Bolsonaro também foi péssimo no "Roda Viva", mas ele mandou seu recado, pregou aos convertidos e, de certa forma, cristalizou votos ao repetir, pela enésima vez, sua lenga-lenga, no melhor estilo prendo-e-arrebento. Suas ideias, das quais discordo, cabem todas em um dedal e ainda sobra espaço. Mas o deserto de bobagens que ele prega não ficou nem um pouco mais árido com o questionamento dos jornalistas no "Roda Viva".

Isso me lembrou um caso de tempos atrás ...

Encomendei uma entrevista especial com um candidato a governador de São Paulo a uma jornalista mais ou menos conhecida à época. O resultado foi péssimo. A entrevista tinha muitas pontas desatadas. Resumindo, a jornalista deixou o entrevistado "escapar". Frente à minha crítica, minha colega se queixou, em um muxoxo, que, afinal, não tinha feito curso específico para entrevistas. Bem, nem eu. Conheço gente que fez e uma especialização em nossa área, qualquer que seja, sempre é bem-vinda. Mas não fiz. O que eu sei, muito ou pouco, aprendi na prática: fazendo, tentando, acertando, errando, tentando de novo e, principalmente, observando repórteres mais experientes. Isso, sim, é um baita aprendizado. Olhar, escutar, entender ...

Tive um professor nessa área, um mestre, Flávio Nery. Já falei dele outro dia e nunca vai ser demais falar.

Correspondente do "Estadão" no Vale do Paraíba nos anos 80 e 90, Flávio era expert na arte de arrancar confissões dos entrevistados. Em entrevistas coletivas, um mestre. Enquanto todos nós nos esgoelávamos para encaixar uma pergunta inteligente nas coletivas, ele esperava pacientemente, para, aos 49 do segundo tempo, encaixar a questão que ia determinar, quase com 100% de certeza, o lide dos jornais do dia seguinte (era tempo do guaraná com rolha, antes da velocidade da internet, com as TVs regionais ainda engatinhando). Era infalível. "Não sei se entendi bem", começava ele, com voz baixa e um jeito calmo de quem não tinha realmente entendido nada. Era o bastante para o entrevistado baixar a guarda. Que pecado. A pergunta vinha tranquila e  mortal, com um efeito devastador. O entrevistado, coitado, perdia o rebolado. Vi acontecer diversas vezes, algumas delas com o mesmo entrevistado caindo, repetidamente, na armadilha.

Lembrei disso ao ver o "Roda Viva" ...

Boas perguntas, capazes de colocar um entrevistado em xeque, não precisam vir carregadas de ódio, agressividade, caretas e voz alta. Quem grita quase sempre não tem razão. E nem precisam vir no embalo de longos discursos, de juras de amor ao bom jornalismo, à ética da profissão ou ao escambau a quadro. Jornalista não joga para a platéia. Boas perguntas têm que ser eficazes, simples e focadas no interesse do público, que é, no final das contas, a razão do nosso trabalho e quem paga os nossos salários. Dentro dessa regra, perguntar não ofende. Muitas vezes, em treinamentos de equipe, brinquei que jornalista é uma espécie de 007, tem licença para perguntar. E deve "matar" um entrevistado polêmico com calma, frieza e, de preferência, com um sorriso leve e amistoso no rosto. É desconcertante. Acreditem: dá certo. Jornalista não perde a calma, não fala muito, não passa recibo, não dá bom dia a cavalo. Bem, isso foi o que eu aprendi no tempo do guaraná com rolha. Hoje, pelo que vi no "Roda Viva" e vejo aqui e acolá, parece que é meio diferente.

E segue o baile ...





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