Nas voltas do meu coração ...

Bolsonaro: fora do trilho, tomba

Não sei quem se saiu pior no "Roda Viva", Jair Bolsonaro ou a imprensa?

Bolsonaro é aquela coisa que já se conhece, um samba de poucas notas, quase todas dissonantes, batucado com truculência e algumas raras ideias, repetidas à exaustão. Saiu do trilho, derrapa, como bem observou meu amigo Antonio Carlos Leite, o Cacá, diretor de Jornalismo da Band News FM e do Metro em Vitória (ES), em análise recente postada no facebook. Mas está aí, firme e forte, resistindo, até aqui, às previsões de que sua candidatura desidrataria rápido, ainda antes do início da campanha eleitoral.

Mas e os jornalistas?

Falando francamente, fiquei decepcionado com as perguntas endereçadas a Bolsonaro e a forma como elas foram feitas. Alguns coleguinhas pareciam mais dispostos a bater-boca com o pré-candidato do PSL a presidente da República do que arrancar dele uma resposta incômoda, uma declaração nova, mesmo que estúpida. Colocá-lo contra a parede? Ficou longe disso, apesar de alguns raros lampejos nessa direção e do nervosismo flagrante do chamado "Bolsomito". 

Duas questões se sobressaíram do embate que durou mais de uma hora. 

Uma de Bernardo Mello Franco, de "O Globo", que pegou o deputado no pulo ao confrontá-lo com o número de projetos apresentados por ele em mais de 25 anos como parlamentar. Vale a pena transcrever o diálogo:

Mello Franco: Em 28 anos de Congresso, o senhor só apresentou 170 e poucos projetos.
Bolsonaro: Q
uinheiros e poucos.

Mello Franco: Não, foram 176 projetos.
Bolsonaro: Tudo bem, 170 e poucos.

Outra, só no final no programa, quando o apresentador do programa, Ricardo Lessa, perguntou qual era o livro de cabeceira do candidato.  Com um sorrisinho de lado, Bolsonaro disse: "A Verdade Sufocada". "Quem é o autor", insistiu Lessa. "Carlos Alberto Brilhante Ultra", respondeu aquele que muitos chamam de Mito. Ulstra, ou Doutor Tibiriça, foi um dos mais violentos torturadores dos porões da Ditadura Militar, homem que, segundo os próprios subordinados, decidia quem vivia e quem morria nos porões do DOI-Codi, condenado pela Justiça por tortura e sequestro.  Que beleza, como diz o jargão do narrador esportivo Milton Leite.


Mas esperar o que de Bolsonaro?Ele estimula o confronto com a mídia e tem, sobre tudo, uma versão toda sua. Escravidão? Na África, culpa só dos negros. Golpe Militar? Nunca teve.

Agora, com tanta gente boa para fazer perguntas, os dardos endereçados a Bolsonaro não o derrubaram. Perguntas já feitas zilhões de vezes foram repetidas, sem terem conseguido uma resposta nova; alguns coleguinhas partiram para o confronto, como se, ali, quem falasse mais alto teria mais razão no debate; outros fizeram perguntas tão sem foco que favoreceram as divagações costumeiras (e, quase sempre, sem sentido) do candidato. Novidade? Quase nenhuma. Entrevistei muita gente na minha vida e muita gente pela qual não tinha a menor simpatia. Mas aprendi, anos atrás, na prática, que jornalista não precisa gritar, nem fazer cara de bravo, nem ser odiado para colocar no chão um entrevistado qualquer. Basta ser sério, contundente e, sobretudo,  inteligente. No "Roda Viva", desculpe a franqueza, houve, da parte dos entrevistadores, voracidade demais e neurônio de menos.

Bolsonaro cumpriu seu papel, de ser o bobo idolatrado pelos radicais. Suas ideias não enchem um dedal, se passadas pelo crivo do bom-senso. E, olha, ainda sobra espaço. Mas, ali, ele cumpriu o seu papel. Nós, jornalistas, não cumprimos o nosso.

É, tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu.E segue o baile ...






Comentários

  1. Este trecho: "Entrevistei muita gente na minha vida e muita gente pela qual não tinha a menor simpatia (...) Basta ser sério, contundente e, sobretudo, inteligente." - Não querendo "puxar o saco" mas aprendi isso no saudoso "Valeparaibano" com muita gente lá, especialmente Marcos Meireles e Fábio Zambeli, sob sua supervisão e direcionamento.

    E olha que ironia. 80%, 85% da redação era tucana e estava em polvorosa com a candidatura do Alckmin, enquanto eu e mais alguns poucos colegas (em todos os níveis hierárquicos) eram eleitores do Lula. Lembra o clima de velório na redação quando o Lula venceu em 2006?

    Mas Graças a Deus me curei da esquerda, né!
    E hoje, como a maioria do povo brasileiro, vou votar no Bolsonaro.

    Ah, jornalista eleitor do Bolsonaro paga um preço grande por manifestar a opinião. Uma parcela de novas "chefias vermelhinhas caviar de Iphne" ou até mais velhas mas que insistem em ter aquele comportamento de presidente de centro acadêmico de cursos de humanas colocam sua ideologia patológica na frente da competência.

    Parabéns pela análise!

    ResponderExcluir

  2. resultado de eleição não se discute, se publica. e segue o baile ...

    ResponderExcluir
  3. Sinceramente, não assisti a entrevista, mas pelo tom das críticas aos perguntadores, deu a entender que a roda o questionou com o que ele queria responder, assuntos polêmicos que ele está calejado de discursar. Realmente assim fica difícil de não criticar a roda.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas