Para onde irá a Dama de Verde?

Encarnação: matéria obrigatória no Bê-a-Bá do Jornalismo

Com o adeus de Maria Encarnação, o jornalismo de São José dos Campos perde um de seus últimos ícones.

Mais que uma simples jornalista, ela era uma referência.

Encarnação foi responsável por impor um novo estilo, um estilo todo próprio, ao colunismo social da cidade e da região, primeiro nas ondas do rádio, depois em jornais como o antigo “Agora” e o “ValeParaibano”, em sua fase áurea.  Ela soube retratar a São José em transformação, a cidade que explodiu nos anos 70, 80, 90, com seus personagens, seus valores, seus segredos. Com isso, fez escola. Muitos colunistas que vieram depois, alguns que fazem sucesso até hoje, beberam em suas águas. Ela era a estrela em um cenário efervescente do colunismo local, onde a cena era disputada com por outros nomes referenciais, como Neusa Mantovai e Enio Puccini. Encarnação era a colunista da classe A, cujas notas eram de leitura obrigatória para começar o dia bem informado e munido de uma boa pitada de inteligência e de ironia.

Sem Encarnação, o que será da Dama de Verde?

Criadora de personagens e expressões, Encarnação se divertia com as perguntas e dúvidas que colocava na cabeça de seus leitores. Quem era, afinal, a famosa Dama de Verde? Segredo de polichinelo, que rendia muitas gargalhadas. Na Redação, era a primeira a chegar, em que jornal fosse. A ela eram destinadas, diariamente, flores, bombons e mimos –um telegrama carinhoso, um cartão, perfumes. Gostava de ter plantas ao redor, em especial, samambaias. Contra a orientação de não fumar na Redação, em razão do ar-condiconado, nem se dava ao trabalho de reclamar: fumava, acedendo um cigarro no outro, deixando, ao sair, um cinzeiro cheio, limpo, sem reclamação, por dona Augusta ou por alguma outra funcionária de plantão. Todas, sem exceção, tinham por ela uma admiração profunda. Era buscada em casa e, terminada a jornada, levada em casa por um carro com motorista do jornal. Por muito tempo, esteve acima do bem e do mal.

Com a morte de Encarnação, o jornalismo perde.

Perde mais uma referência de uma fase de ouro, em que as bases de um jornalismo moderno, dinâmico, arrojado, foram lançadas em São José dos Campos, seja pelo “Agora”, de Roberto Wagner de Almeida e Luiz Gonzaga Pinheiro, ou pelo “ValeParaibano”, de Ferdinando Salerno, Antonio Augusto, Luiz Grunewald (outro mestre querido, que, músico, me ensinou a fazer títulos de orelha, pelo som das palavras) e Bouéri Neto. São as bases do jornalismo atual, numa era em que ainda não havia TV, nem portais, nem rádios-web. Gente que veio antes de mim, eu, que, como sempre digo, já sou do tempo do guaraná com rolha. Mas foram eles, pioneiros, corajosos, insanos, muitas vezes endoidecidos em seus sonhos de grandeza, que começaram uma trajetória que nos conduz até aqui, com São José dos Campos servindo de referência para o jornalismo regional. Alguns, como Encarnação, já foram para o lado de lá. Outros ainda estão por aí.

Que tal lembrarmos deles ainda vivos?


Que tal fazermos um exercício de humildade e lembrar que nós, por melhores profissionais que sejamos e tenhamos sido, somos parte de um processo que começou bem antes e irá, com certeza, muito mais além de nós, em direção a um futuro que desconhecemos? São José dos Campos está hoje, com toda justiça, de luto oficial por Maria Encarnação, decretado pelo prefeito Felício Ramuth (PSDB). Por que não fazer festa também por tanta gente que está aí, heróis de tempos bravios, homens e mulheres que estão em nosso DNA mais profundo?


Fica a dica. Segue o baile ...

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