À velocidade da luz


A morte de Audálio Dantas, aos 88 anos, na última quarta-feira, entristece os sobreviventes de um tempo em que o país sonhava com o futuro.

Era um sonho dolorido, sonhado sob o peso da incerteza, do AI-5, do silêncio da imprensa frente aos desvios de um regime que também sonhou, um dia, ser grande. Não foi. Presidente do Sindicato dos Jornalistas, Audálio foi uma das poucas pessoas de coragem a denunciar as atrocidades sofridas por outro jornalista, Vladimir Herzog, morto e torturado no DOI-Codi em 1975. Ele foi um dos responsáveis por desmontar a farsa de suicídio, mal-construída desde o princípio (como se uma pessoa conseguisse se enfocar sentado no chão da cela). Outra pessoa corajosa, dom Paulo Evaristo Arns, um homem com o coração do tamanho do mundo, esteve à frente do culto ecumênico por Vlado na Catedral da Sé. Audálio estava lá, assim como outras 8.000 pessoas, assustadas com as ameaças de repressão. No entender de muita gente, naquela tarde cinzenta de outubro começava a ruir a base de apoio da Ditadura, imposta 11 anos antes. Mas ainda seriam necessários mais 10 anos para que terminasse a longa noite que se abateu sobre nós.

Pouco depois de saber da morte de Audálio, na noite de quarta-feira, passei de carro pelo centro de São José dos Campos e vi um grupo de pessoas (12, talvez 15) com cartazes pedindo intervenção militar, já. O que me chamou a atenção foi a urgência: já. Nem um minuto a mais. Doidos varridos? Longe disso: cidadãos. Em uma democracia todas as bandeiras são legítimas, mesmo as que defendem, contraditoriamente, o fim da democracia. Foi para isso que tantos lutaram (nos tempos de outro já, mas na direção oposta, o "Diretas-Já") e ainda lutam, trabalharam e ainda trabalham, acreditando em um país melhor. E creia, caro leitor, apesar de parecer que não, ainda tem muita gente boa que insiste em sonhar com o futuro do país, em nome da justiça social, de ética na política, da redução do tamanho do Estado e das mordomias, enfim, em busca de uma Nação. Nação que já fomos, mas que, vira e mexe, sepultamos em algum lugar em nome de nossas divergências, dos nossos pontos de vista.


Ao chegar em casa, busquei um livro de Audálio, que traz uma carinhosa dedicatória dedicada por ele a mim. Presente de minha mulher, Letícia, o livro, “Tempo de Reportagem”, reúne alguns dos melhores trabalhos de Audálio, um mestre da arte de contar histórias. Reli a dedicatória e pensei: como esse tempo atual, de tantas incertezas, será contado por outros gênios da arte de traduzir fatos e conflitos em boas narrativas? E aí peço ajuda ao próprio Audálio, em entrevista transcrita em "Tempo de Reportagem": o que faz uma narrativa virar uma boa história? Como disse ele uma vez, em primeiro lugar sejamos honestos aos fatos. Sejam eles do nosso agrado ou não. É, professor, esse é o nosso maior desafio, manter a cabeça no lugar mesmo que a terra esteja em transe. 

Muito obrigado, descanse em paz.

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