Despertou




por Guilhermo Codazzi da Costa Dia 10 de maio de 1998.

Após passar 20 dias desacordado, seu Luiz abriu os olhos e voltou à consciência. Celebrava-se o Dia das Mães, em todos os cantos do mundo. No coração da minha mãe, no entanto, aquele era o dia era de festejar o pai. A melhora no quadro de saúde do meu avô foi, sem dúvida, o melhor presente possível para a dona Adriana, a filha dedicada que manteve-se sempre ali, lado ao lado de seu pai, seja dormindo no hospital, rezando em silêncio ou estando presente nas horas difíceis -- quando a ausência é regra e a presença, seja ela física ou não, torna-se apenas uma lembrança pretérita, quase uma exceção. No fim de 1997, meu avô já havia nos dado um grande susto e, meses depois, ainda lutava pela vida.

E ele sempre foi assim, lutador. 

Luiz Guillermo Codazzi nasceu na capital paulista no dia 15 de dezembro de 1934, precisamente na Mooca, filho do casal Rodolfo Eugênio Codazzi e Maria Augusta Glaaser Codazzi, que havia deixado Rosário, na Argentina, e vindo para o Brasil. Mais tarde, Luiz decidiu tomar o caminho inverso, indo viver na Argentina e naturalizando-se hermano. Vivendo na terra do tango, em Buenos Aires, conheceu a belíssima Dona Ana Maria, a minhã avó, e com ela teve cinco filhos: Marcelo, Adriana, Patrícia, Gabriela e Javier.

Meu avô sempre teve um jeito metódico, brincalhão, boêmio, mas com a força necessária para se fazer o que precisa ser feito. Foi moldado assim, na crueza da vida. Tinha coragem.

E a vida, nos anos 70, impôs a ele a necessidade de mudar-se mais uma vez, agora de volta ao Brasil, a Curitiba, onde alguns anos depois meus pais então se conheceriam na faculdade de arquitetura. Depois, os Codazzi, com a exceção feita à minha mãe, que foi para Taubaté, mudaram-se para o Rio de Janeiro.

Lá, este paulista de alma carioca, brasileiro estrangeiro agora em seu próprio país, se encontrou e viveu bem, com sua cerveja, queijos, dardos e amigos.

Depois dos problemas do final da década de 1990, porém, ele passou a ter suas dificuldades, principalmente de locomação.

E o quadro só piorou quando a dona Ana, sua companheira, se foi em 2014. E agora?

Lutar foi o verbo que ele mais conjugou de lá para cá, mas com seu humor peculiar. 'Muito boa noite, bom descanso!', exclamava ele todas as noites para a minha mãe e meu padrasto, que mudaram-se para o Rio a fim de cuidarem do meu avô.

E que tarefa dura.

Afinal, há momentos em que a vida, este frágil passarinho, deixa de ter no corpo um robusto e belo par de asas, e passa a ver só uma limitante gaiola. Não seria, então, a hora de voar?

Dia 13 de maio de 2018.

Vinte anos depois daquele Dia das Mães, desta vez o meu avô decidiu não acordar, pelo menos para nós. Temos a crença de que foi, no entanto, despertado para a eternidade por uma argentina linda, chamada Ana Maria.

Muito boa noite, vô.

E bom descanso..

Guilhermo Codazzi da Costa é editor-chefe do jornal "O Vale", onde este texto foi publicado originalmente na edição do último final de semana

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