Cinco visões sobre Lula


A sempre atenta newsletter "Meio", do jornalista Pedro Doria, traz cinco visões sobre o impasse entre Lula e a Justiça. Qual delas tem razão?

Eugênio Bucci observa o embate entre Lula e a Justiça: “Na hora H, o Poder Judiciário brasileiro perdeu para o poder das ruas de São Bernardo. O juiz Sergio Moro, depois de despachar o mais impactante ‘teje preso’ da história recente, conheceu o vexame de ver seu decreto ignorado por um réu que parece maior do que a cela especial que montaram para recebê-lo em Curitiba. Ontem, dia 6 de abril de 2018, a fissura mortal que transpassa o Brasil ficou escancarada. Contra o poder do Estado, outro poder se insurgiu. Justa ou arbitrária, formalista ou humanista, pouco importa, a mão do Poder Judiciário bateu contra um muro — um muro de gente fula da vida.”

Ascânio Seleme, porém, acha que na aposta política o PT perdeu: “Por alguns momentos desde a emissão da ordem de prisão contra Lula, temeu-se o pior. Os conhecidos revoltados do PT e dos partidos e movimentos satélites cerraram os punhos e sustentaram que Lula não sairia da sede do sindicato para a cadeia. O líder do MTST Guilherme Boulos conclamou sua turma a resistir ‘em trincheira’. A amigos escreveu que havia um pacto para que Lula não se entregasse, e pediu que a militância ocupasse pelo menos 30 quarteirões em torno do sindicato. Gilberto Carvalho pediu que a militância fizesse uma barreira humana para impedir a entrada da polícia. Desenhava-se uma tragédia. O aloprado pai, João Pedro Stédile, do MST, chamou seus liderados para ocuparem as praças e as ruas de São Bernardo do Campo. ‘Vamos nos insurgir’, bradou o líder. Não colou. As praças ficaram vazias e só mesmo as ruas ao redor do sindicato se encheram. Não aconteceu o ‘mar de gente’ sonhado por outro ativista do caos, o senador petista Lindbergh Farias. Aparentemente, não houve tempo para Stédile arrumar ônibus e quentinhas e juntar o seu ‘exército’. O fato é que não houve mobilização popular em favor de Lula. Talvez por isso tenha prevalecido o bom senso.”

Kennedy Alencar explica o ponto de vista do PT: “É possível dizer que existe um conjunto de indícios que demonstra que Lula recebe tratamento diferente de outros acusados e condenados. Até mesmo para os parâmetros de celeridade estabelecidos pela Lava Jato, há uma rapidez maior quando se trata de analisar o caso do petista. Essa é uma das razões que levam parte significativa da comunidade jurídica a considerar que ocorre uma perseguição judicial a Lula. Segundo sua defesa, seria apresentado até o dia 9 mais um recurso — embargos dos embargos. Defensores da medida afirmam que se trata de respeito ao devido processo legal e à presunção de inocência. O TRF-4 enviou ofício a Moro às 17h31 de quinta considerando que houve exaurimento de recursos na corte. Em 22 minutos, às 17h53, Moro deu o despacho de quatro páginas com a ordem de prisão. Tal agilidade transmite a imagem de despacho pronto e coordenado com a comunicação que chegaria do tribunal a fim de permitir que Moro mandasse prender o ex-presidente em prazo recorde num processo já marcado por ligeireza. Para conter a ansiedade, Moro deveria levar em conta uma variação da figura da mulher de César. Além de ser imparcial e justo, deveria parecer imparcial e justo. A imagem de magistrados e procuradores justiceiros prejudica a Lava Jato e o combate à corrupção.”

André Singer analisa o futuro da esquerda: “O lulismo não morre com a condenação do ex-torneiro mecânico. Mas terá que se reinventar para sobreviver sem a liberdade daquele em torno do qual o movimento cresceu ao ponto de chegar à Presidência. A despeito de quaisquer outras considerações, Lula demonstrou, durante esses 40 anos, a inegável capacidade de aglutinar o campo popular em torno de si. O juiz Sergio Moro, mais uma vez mostrando que age olhando para a política, apressou-se a executar a sentença antes que pudesse haver algum recuo superior. Uma disputa sem Lula candidato, e com dificuldade para explicar ao seu eleitorado quem o representa, esvaziará o pleito de outubro. A possível vitória de um candidato de ‘centro’, na realidade do campo da classe média, nessas circunstâncias, terá a sua legitimidade diminuída. Dependerá, então, da capacidade dos dirigentes forjados neste ciclo, que permanecem em liberdade, reconstruir o polo que representa os pobres. Sobre o seu sucesso, o futuro dirá.”

João Domingos considera que a tática do PT é o berço da instabilidade política: “A posição de enfrentamento que o PT adotou em relação ao Ministério Público, à Justiça e aos meios de comunicação desde o escândalo do mensalão, com maior radicalização a partir do início do impeachment, tem sido danosa para tudo e para todos. Por um lado, prejudica o próprio PT, haja vista a surra que o partido levou na eleição municipal de 2016. Por outro, faz surgir, como reação a esse clima de beligerância, algo impensado até pouco tempo, como o apoio à volta dos militares ao poder ou o crescimento de uma candidatura que se propõe a ser a antítese de Lula, esta representada pelo deputado Jair Bolsonaro.”

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