Curtir ou descurtir?


por Guilhermo Codazzi

Polegar voltado para cima ou para baixo? Absolvição ou condenação? Vida ou morte?

Nesta enorme @rena romana com Wi-fi, em que o mouse transforma-se em malhete, é difícil responder a essas perguntas, enquanto a turba grita por mais violência, pelo descontrolado derrame de sangue alheio já curtido de SOLidão -- tudo isso, claro, flagrado em tempo real pelas telas do smartphone e transmitido pelo Facebook, ao vivo. E tudo, obviamente, em nome dos bons e velhos costumes, da defesa dos pilares do anfiteatro da hipocrisia. E se der para postar uma selfie, caprichando no filtro para afastar a realidade e atrair "likes", com esta arena superlotada ao fundo, melhor ainda. Sentados em seus tronos, feitos de ouro com um brilho sintético, os césares modernos se empanturram desfrutando deste delicioso banquete oferecido pela natureza humana, embriagando-se do choro de seus vizinhos --por quem já não sentem compaixão. "Só ri da cicatriz o que jamais foi ferido", escreveu William Shakespeare na trágica história de Romeu e Julieta. Cada vez mais desumanizados e estéreis de empatia, os césares conectados torcem avidamente pelo tropeço, para que a queda renda um bom vídeo, um meme daqueles capaz de viralizar. E neste tão barulhento tribunal, todos vestem toga. Preenchem o corpo meio vazio, com o copo meio cheio de seu próprio veneno. Alimentam-se da vida alheia, para aplacar o vazio que preenche o espaço. Estão a salvo. "Quem julga as pessoas não tem tempo para amá-las", dizia Madre Teresa de Calcutá. No entanto, nas arenas mais próximas de você, esse discurso já parece estar fora de moda, é tipo um celular do ano passado. Ou Orkut. Afinal, o tempo é curto. E nessa imensa biblioteca parece que só há espaço para as orelhas de livros. Há muito verniz, filtro na foto que traduz uma felicidade fictícia e teatral, que é encenada pelo personagem que criamos de nossa própria humanidade. Ser ou não ser? Que tolice, senhor Hamlet. Parecer ou não parecer, eis a questão, pobre príncipe. "Nós vivemos em plena cultura da aparência: o contrato de casamento importa mais que o amor, o funeral mais que o morto, as roupas mais do que o corpo e a missa mais do que Deus", sentenciou o jornalista uruguaio Eduardo Galeano, que era também um genial escritor, apesar de não ter sido um youtuber. Neste palácio da Justiça, não há trégua: bate-se na outra face e repetidamente. A areia desta arena é banhada diariamente pelo sangue jovem de tantos iguais que digladiam-se devido à preferência política ou ideológica, por conta da cor da pele, classe social, opção sexual ou religiosa. Sim, disso todos nós, bombardeados que somos diariamente por setas de um mouse lançado pelos césares modernos, já sabemos. De cor e salteado. Mas ainda tenho uma dúvida: afinal, quando foi que atiramos a primeira pedra?.

Guilhermo Codazzi é editor-chefe do jornal "O Vale", veículo em que este texto foi publicado originalmente em sua edição de final de semana

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