Lula? Eu quero é polvo ...

Polvo com nome e sobrenome ...

Tenho que admitir, sou um caipira metido a besta ...

Nasci em Piraju, no interior do São Paulo, a mais de 400 quilômetros de distância do mar e só fui conhecer praia aos 14 anos, em visita a Ubatuba. Peixe de água salgada? Fora o bacalhau do Domingo de Páscoa, só sardinha, e em lata, até pelo menos 15, 16 anos. Peixe, para mim, até então, só de água doce: lambari, pescado no rio Paranapanema e frito, bem fritinho, ou pintado, comprado de peixeiro, na porta da casa da minha família, ensopado, uma delícia. Mesmo assim, depois que virei dono do meu nariz, comecei a ter gosto por tudo do mar: praia, onda, brisa, gente bronzeada e, principalmente, comida. De peixes a mariscos, de lula a camarão e, principalmente, polvo, que, nem sei como experimentei, mas, confesso, adoro ...

Deve ter algo de DNA, talvez ...


Minha mãe, Maria Nívia, me contava que polvo era prato preferido de seu avô, que, no tempo do onça, importava o bicho em barricas, salgado, de Portugal. Para dessalgar o polvo, ele era amarrado pela cabeça e colocado em água corrente, em uma bica no quintal do armazém de secos e molhados que a família mantinha em minha terra, na Alta Sorocabana. DNA? Vai saber ...


O certo é que adoro polvo. E não perco a chance ...


Em Lisboa, fui atrás do polvo a lagareiro no antigo Tasquinha da Adelaide, restaurante tradicional em Alcântara, um dos preferidos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que tinha uma foto sua na parede da sala pequena, de 12 a 16 mesas, fechada após a morte da proprietária, anos atrás. Uma pena, era, como diz em Portugal, dica de "bico fino". Em Penafiel, na região do Porto, repeti o prato no Casanova, de um chefe moderno, com sua releitura da cozinha do Douro. No Norte da Espanha, fiz minha rota no Caminho de Santiago passar pelo Ezequiel, em Melide, um dos restaurantes mais tradicionais a servir polvo na região da Galícia. Lá, o bicho é trazido da cozinha aos montes, em carrinhos de mão, e cortado com tesourões na sua frente, na hora de servir, temperado com sal, azeite e colorau. O sabor? Delicioso.

No Brasil, ainda não experimentei polvo nem no Mingus, do Recife, nem no Rosso, de Florianópolis, considerados especialistas no prato. Mas tive um encontro saboroso, em Maceió, com um prato batizado de Tentáculos Del Pecado,  carro-chefe de um restaurante nipo-peruano capitaneado por Simone Bert, aberto há mais de 22 anos na Jatiúca.  É polvo, camarão, batata e purê de queijo, uma mistura divina criada pela chefe premiadíssima do Wanchako. Fui, comi e gostei. Acredite, leitor, vale muito a pena se você estiver por lá. Pretendo voltar ...

Mais perto da gente, descobri no Sans Souci, em Campos do Jordão, uma entrada de polvo e lula, que não está no cardápio, mas é fantástica. E, incrível, encontrei em Piraju, minha terra, a mais de 400 quilômetros do mar, um sashimi de polvo saboroso, em um restaurante chamado Kenko, ao lado da casa da minha família, em plena praça Ataliba Leonel, que minha mulher, Letícia, e minha filha, Marina, consideram o melhor japonês do interior do Estado.  Exagero? Da parte delas, não sei, mas, cá entre nós, o sashimi de polvo é ótimo.  Polvo em Piraju, ao lado de casa? Meu bisavô iria ficar feliz com a ideia de não precisar mais trazer o bicho em barricas lá da terrinha ...

E em São José dos Campos?

Bem, em São José dois lugares chamam, especialmente, a minha atenção. No Empório Vitória, de Wilson Ferreira, na praça Pedro Américo, no Maringá, o polvo merece respeito. Tenro, bem acompanhado, um sabor especial. Quando tem, é uma boa pedida. No Il Vicoleto, ali pertinho, da cozinha de Adolfo Pierantonio e Marcelo Pasqualini também salta um polvo apetitoso, que Adolfo, gentilmente, muitas vezes traz à mesa fora do cardápio, sabedor da minha predileção pelo prato. Com arroz negro, deixa a gente triste, muito triste, quando acaba.

Agora, confesso: um dos melhores polvo que já comi tem nome e sobrenome.

Ele é feito pelo chefe Fernando Gori, que assumiu há alguns meses a cozinha do hotel Ema Palace, no coração da Vila Ema. Nem sempre está no cardápio. Mas, se estiver, vale a pena. Descobri o sabor do prato quando Fernando era chefe no Empório Vitória, mais de sete anos atrás. Foi amor à primeira garfada. Além da arte do chefe, parte do segredo do sabor do prato está na qualidade do polvo, garantida por um bom fornecedor. Reencontrei essa prazer semanas atrás, quando fui lá, convidado por Fernando, para jantar com a minha mulher. Surpreendente: o sabor se igualou ao que trazia na memória. E, como se sabe, boas memórias quase sempre tendem a serem inatingíveis, uma vez que são construídas, sedimentadas e edulcoradas ao sabor do tempo, adoçadas pelas lembranças e pela imaginação.

Bem, fica a dica: não importa onde e quando, experimente polvo.
Vale a pena, pelo menos para mim. Mas, u
fa, depois desse texto imenso falando de comida, fiquei com fome. Onde será que serve polvo aqui por perto?

PS: Letícia, que cozinha por arte e com arte, já se colocou em campo para tentar fazer um polvo igual ao do Fernando.  Bem, é um desafio. De volta de Portugal, após elogiar o prato do Casanova, me surpreendi uma noite, ao entrar em casa, com um aroma delicioso vindo da cozinha. Polvo? Para minha surpresa, sim, delicioso, com direito a um bom vinho português e a batatas ao murro, com os tentáculos chamuscados graças a um maçarico especial. Caramba, exclamei. A vida fica mais leve graças a pequenas surpresas e a pequenos sabores. E, neste caso, graças a gestos de amor ...


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