Cidades invisíveis
por Marcos Meirelles
“Será sem
fim o sofrer do povo do Brasil? As camélias da segunda abolição virão.”
Os versos de
Caetano e Gil celebram o quilombo do Leblon. E me lançam à reflexão sobre as
cidades partidas e invisíveis, cheias de fossos e muros, expressão máxima do
processo de urbanização no Brasil.
Quando foi
que nossas maiores cidades se tornaram inviáveis, distopias urbanas
inconciliáveis com qualquer expectativa civilizatória?
Quando
observamos o caos no Rio de Janeiro, só conseguimos enxergar, normalmente, as
mazelas recentes provocadas pelo descalabro administrativo e político.
Mas o Rio de
hoje é o resultado de séculos de desigualdades sociais, acentuadas pelo
arbítrio dos governantes e pela indiferença da elite econômica. Um Rio que
expulsava milhares de moradores dos cortiços e lhes dava, como única
alternativa, erguer barracos com escombros dos imóveis e morros demolidos.
Em São
Paulo, o fosso é de outra natureza.
Uma
periferia gigantesca se ergueu em torno do antigo núcleo urbano, multiplicando-se
através de pavorosas cidades-dormitórios.
Os
paulistas, orgulhosos de sua suposta pujança econômica, se renderam à
megalomania de gestores que multiplicavam avenidas e viadutos em troca de
polpudas propinas. Nunca, jamais, priorizaram o transporte coletivo. São Paulo
virou assim a terra inóspita dos automóveis e das periferias franqueadas ao
crime organizado.
Recife,
Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre, todas elas seguiram a mesma trilha do
abismo social, incorporando, à sua maneira, o que havia de pior no Rio e em São
Paulo.
Depois
vieram os condomínios verticais e horizontais, as cidades muradas dentro da
própria cidade. O isolamento urbano.
Mesmo entre
as cidades médias, há aquelas que parecem definitivamente inviáveis.
Visite Angra
dos Reis, por exemplo, e o famoso bairro do Frade, um aterrorizante exemplo dos
males gerados pelo fosso. De um lado da rodovia, condomínios exclusivos à
beira-mar. De outro, uma comunidade inteira dominada pelo Comando Vermelho.
Marcos Meirelles é jornalista.
Este artigo foi publicado originalmente na edição deste final de semana do jornal "O Vale"
Este artigo foi publicado originalmente na edição deste final de semana do jornal "O Vale"
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