Nas asas da Embraer

Vista aérea da Embraer em São José dos Campos

Tirei um tempo de folga neste início de ano e coloquei em dia algumas leituras herdadas de 2017. Dois livros acabaram me levando involuntariamente para um mesmo período da história do Brasil, o segundo governo Vargas, no início dos anos 50, quase 70 anos atrás. Um deles, “Última Hora”, romance de José Almeida Junior, presente de Natal do meu filho Guilhermo, narra os bastidores do jornal criado por Samuel Wainer e seu embate com Carlos Lacerda. Outro, “A República das Abelhas”, presente da minha mulher, Letícia, traz a vida de Lacerda narrada por ele mesmo, após a morte, em uma licença poética de seu neto, Rodrigo Lacerda.

Daí a “Getúlio”, de Lira Neto, foi um pulo ...

Ao olhar para o passado, vislumbrei um embate que remete ao país de hoje, em especial a um tema bem próximo a nós, a negociação aberta entre a Embraer e a Boeing. O que Getúlio, Lacerda e Wainer tem a ver com a situação atual encarada pela empresa sediada em São José dos Campos? Ora bolas, nada. E tudo. Explico: em segundo plano no embate travado no país durante o segundo governo Vargas, encerrado de forma trágico com a morte do presidente que saiu da vida para entrar na história, está um tema que passou a dominar as manchetes e debates desde que a negociação entre Embraer e Boeing veio a tona. Nos anos 50, ele atendia por um nome: entreguismo, termo utilizado de forma pejorativa para designar a corrente política que defendia um modelo de desenvolvimento baseado na participação do capital internacional e na “entrega” da exploração das riquezas naturais a grupos estrangeiros. A eles, claro, se opunham os nacionalistas.

Isso me vem à mente quando os jornais noticiam que os Sindicatos dos Metalúrgicos de São José dos Campos (CSP-Conlutas), Botucatu (Força Sindical) e Araraquara (CUT) se reúnem, hoje, em São José, para lançar a campanha unificada contra a venda da Embraer para a Boeing. Embora sua reação seja legítima, os sindicatos agem como vanguardas do atraso ...

É o mesmo embate, décadas e décadas depois, em um Brasil separado por anos de desenvolvimento político, econômico e social. Prova que, em muitos cenários, grupos expressivos da sociedade não saíram ainda do mapa ideológico do século 20, talvez, em alguns casos, do século 19. O apelo nacionalista soa fácil e usa como bandeira, no caso Embraer-Boeing, a manutenção dos empregos no Brasil. As três plantas (São José, Botucatu e Gavião Peixoto) têm cerca de 16 mil trabalhadores. Para as lideranças sindicais, o xadrez do mercado aeronáutico interacional, razão das tratativas entre Embraer e Boeing, é secundário. Mercado? Elas preferem a antiga briga entre entreguistas e nacionalistas, embolorada pelo tempo, empobrecida pela história, radicalizada, agora, pelas redes sociais. Nos anos 50, ela balizou a criação da Petrobras e o monopólio estatal na exploração do petróleo. Nos anos 90, ela ressurgiu, aqui mesmo, pontualmente, quando os sindicatos foram contra o processo de privatização da Embraer, que significaria, segundo eles, o fim da empresa. Como o tempo mostrou, não foi. Ao contrário: a partir da privatização, a Embraer ganhou musculatura e hoje é a maior fabricante regional de aviões do mundo, posto que dificilmente ela alcançaria se ficasse sob as asas do Estado.

A história estará mesmo condenada a se repetir, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa? Quando o país enterrará o século passado?

Nesse embate entre passado, presente e futuro, prefiro a companhia sempre atenta do engenheiro Ozires Silva, um dos fundadores da empresa, nos anos 60. Para ele, a negociação entre a Embraer e a Boeing é positiva. "O Brasil tem que pensar grande", disse ele. Do alto de seus 87 anos, recém-completados no último dia 8, Ozires pensa moderno. Pensa grande. Ainda bem ...

PS: Com esse artigo encerro (acho eu) a série sobre temas de 2017 que transbordaram para 2018, sem que eu ainda tivesse escrito sobre eles. Agora, vamos pensar no futuro

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