O sorriso do lagarto



Olá, lagarto

Na rua da minha casa tem um sábia-do-campo no papel de xerife.
Eu já escrevi sobre isso aqui ...
Ele ataca com bicadas e voo rasantes todo ser vivo que ousa passar perto do seu ninho. É um instinto natural de defesa dos ovos e dos filhotes ...

Ao ler sobre isso, um amigo disse que moro na roça ...

Bobagem, claro. Moro no centro da cidade.
Mas moro, sim, cercado de bichos, alguns já familiares, como a família de maritacas que mora nas árvores do fundo de casa, beija-flores e coleirinhas. Outros inesperados ...

Dias atrás, reunidos para um almoço no final de semana, nos deparamos com um lagarto de uns 70, 80 centímetros da ponta da cauda à ponta da cabeça, saindo da casa vizinha, que pertence a um primo. A cabeça do teiú na grade fez uma moça que passava na calçada sair em disparada. Assustado, o bicho --um visitante estranho à rua-- fugiu, para aparecer, meia hora mais tarde, escondido entre as folhagens do jardim da frente de casa, com sua língua, cor de rosa e bifurcada, pendente fora da boca.

Meu filho Julio, preocupado com o lagarto, telefonou para os bombeiros. Explicou a presença do bicho e nossa preocupação: zanzando rua, ele poderia ser atropelado ou acabar vítima de alguém mal-intencionado. O bombeiro disse que não era com ele e pediu para ligar para a Polícia Ambiental. Lá, a pessoa que atendeu pediu uma foto do lagarto.

-- Pô, lindo. Sou fã desse lagarto -- respondeu o guarda via whatzap.

Para nos tranqüilizar, disse que o bicho é inofensivo, comum no Brasil, podendo crescer até dois metros de comprimento. O que fazer? Deixar ele lá, disse.

Alheio a essa operação frustrada de levá-lo a um lugar mais agradável, talvez na companhia de outros de sua espécie, o teiú saiu para a calçada, saracoteando pelo cimento quente, e foi se abrigar no gramado de outra casa, 30 metros à frente. 

E lá se deu o duelo. 

Talvez levado pelo olfato aguçado, o lagartão foi direto para a árvore onde está o ninho do casal de sabiás. A poucos metros do alvo, o bicho foi interceptado por um rasante e uma bicada certeira no rabo, disparatada pelo sabiá xerife. Foi um embate rápido, mas violento, de instituto puro, em que o passarinho levou vantagem. O lagarto, que atende pelo nome pomposo de "Tupinambis teguixim", buscou socorro em um buraco entre o jardim e o quintal da casa, na verdade um escritório. O guarda da rua, como um juiz de telecatch, tapou o buraco com um pedaço de tábua e encerrou o combate.

Na segunda-feira, surpresa no escritório.

O bicho virou mascote da firma, foi alimentado com uma dieta de ovos e, agora, deve estar zanzando alegre em alguma mata. Sim, o dono do escritório tratou do teiú para levá-lo, no final de semana seguinte, para a roça, onde é o lugar dele, a salvo de carros e do risco de ser atropelado, de algum moleque espevitado e até de um sabiá-do-campo metido a xerife da rua, pronto a colocar para correr um lagartão que estava de olho na sua ninhada.

Quem sabe quem mais aparece na rua um dia desses ...

PS: o nome desta crônica faz alusão ao livro de José Ubaldo Ribeiro, "O Sorriso do Lagarto", transformado em minissérie pela Rede Globo de Televisão



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