Cuidado com o passarinho


Cuidado com o passarinho, diz a placa coloca no poste.

Na prática, o aviso, escrito a lápis em um pedaço de papel branco, serve tanto de alerta quanto de armadilha. Quem para para ler, curioso, o escrito anônimo, logo, logo tem a resposta à pergunta que vem à mente: que passarinho? A resposta vem do céu, quase sempre por meio de uma bicada no cocuruto. Rápido e certeiro, o sabiá-do-campo não deixa dúvida: é ele o passarinho da placa.

Não tem erro.

Dele não escapa homem, mulher ou criança, a pé ou de bicicleta. De moto, a bicada acerta o capacete, repetida em série, com o bichinho, sabiá-do-campo poliglota, imitando o martelar de um pica-pau. Distraído ou precavido, o susto é certo para quem passa pela rua. Nem adianta trocar de lado da calçada. E os cachorros? Esses são alvos fáceis, coitados. Uma bicada na cabeça, outra no rabo, se der tempo uma terceira onde estiver mais fácil. Gatos? A ação contra eles é implacável. Afinal, aí é caso de vida ou morte. A placa tem razão: cuidado, muito cuidado com o passarinho.

É uma atração na rua.

Esse espetáculo se repete a cada ano na rua onde moro. Este ano, o ninho do casal de sabiás-do-campo foi construído em um arbusto de uma casa no meio da quadra. Duas primaveras atrás, ele estava no jardim da frente de casa, no meio dos galhos de uma árvore. Caprichosamente, a porta da rua estava no raio de segurança do ninho, onde três filhotes barulhentos e de poucas penas piavam sem parar, dias após saírem de ovos verde-azulados com manchas cor de ferrugem, a espera de comida –cupins, besouros e frutas, encontrados pela redondeza pelos seus guardiões. Entrar em casa era um desafio. Vira e mexe, o ataque acontecia, precedido de um farfalhar de asas. Ninguém escapou de umas bicadas. Os pintores que trabalhavam na reforma da casa usavam capacete não só contra eventuais acidentes, mas, especialmente, contra os bichos. Donos do pedaço, os sabiás viraram estrelas do trecho: foram fotografados, filmados, muita gente ia até a frente da casa para assistir ao espetáculo, um voo rasante e uma bicada certeira. Assim foi também no ano passado e este ano.

Mas tão rápido quando começa, a diversão acaba ...

Crescidos os filhotes, em duas, três semanas, a vigilância relaxa. Eles continuam lá, voando pra lá e pra cá, mas sem atacar. Os filhotes? Ensaiam os primeiros voos, caem do ninho, andam despreocupados pelo meio do asfalto, sob o olhar protetor do guarda da rua, seu Toninho, transformado, vira e mexe, em guarda-costas dos bichinhos, que começam a ganhar a coloração marrom dos adultos, com uma faixa marrom escura na altura dos olhos. Logo estarão cantando por aí, com a característica da espécie de imitar o som de outros pássaros. Quem sabe, na primavera que vem, estarão de volta, ajudando a proteger uma futura ninhada, seguindo hábitos que a natureza construiu tão bem ao longo do tempo.

Qual será a casa sorteada no ano que vem?

Isso não dá para saber ainda. Mas uma coisa todo mundo já sabe: se você passar por lá e se deparar com o cartaz “cuidado com o passarinho”, se prepare. É bicada na certa.



Comentários

Postagens mais visitadas