Coração de capotão


por Guilhermo Codazzi da Costa

Todo pé de moleque tem coração de capotão, chuta a bola de meia e faz o gol no seu campinho de botão. Ah, aquele tempo ... aquele tempo que apesar de se manter presente já é pretérito, ele sim é que era bom.

Tá, a vida tinha lá as suas obrigações (aqui leia-se as tarefas escolares, principalmente exercícios matemáticos), porém a maior parte do tempo era gasta jogando bola na rua (alguém aí se lembra das traves de pedras ou chinelos, improvisadas pela criançada sobre o asfalto quente?), ou brincando aqui e acolá, seja de polícia e ladrão, bandeirinha, pega-pega ou salvando o mundo no esconde-esconde.

Ah, aquele tempo ... claro que havia suas preocupações, isso nós não podemos negar. Como conseguir a figurinha que faltava para completar o álbum da Copa? Onde arranjar coragem, então, para derrotar a timidez e, sem desmaiar, trocar duas ou três palavras com a menina mais linda da sua escola?

Nesta época, passar de ano é, certamente, um desafio daqueles, um assustador monstro de sete cabeças. Nos esforçamos (e torcemos, rezamos...) muito para conseguir passar de ano -- o mais paradoxal disso tudo é que, com o passar do tempo, os anos se passam com apressada facilidade, por mais que torçamos para ele dar um tempo e diminuir o ritmo.

Mas viveria o tempo em uma constante mutação? Ou, então, seria o tempo o mesmo o tempo todo, só trocando de roupa de uma época para a outra?

Recentemente, lendo o livro "O macaco que se fez homem", me deparei com a reflexão do autor, que abriu parênteses no meio de um de seus primorosos contos para explicar o porquê de ser contra os romances de centenas e centenas de páginas. "Uma coisa me espanta: que haja inda hoje, nestes nossos atropelados dias modernos, quem escreva romances! (...) A época é apressada, automobilística, aviatória e cinematográfica (...)", escreveu Monteiro Lobato, em "Marabá" (1923).

Como se vê, o escritor taubateano estava encantado com a rapidez do mundo, que parecia mais moderno a cada dia. Não te lembra alguém, prezado leitor? Daria uma crônica: "você, que tem ideias tão modernas, é o mesmo homem que vivia nas cavernas", diz o refrão filosófico de "Crônica", composta pelo "engenheiro" Humberto Gessinger e lançada em 1986.

Qual foi a belle epoque?

O homem de hoje, por exemplo, tem saudade do futebol da década de 1960, quando os craques míticos desfilavam pelos gramados de um intenso verde em preto e branco. Estes dias, lendo o livro "11 gols de placa", vi reportagem sobre a crise no esporte: craques em extinção, baixo nível técnico, falta de público... O texto é de 1969.

Como se vê, em certa medida, o homem, seja a bordo de caravelas ou naves espaciais, parece ser o mesmo. Sorte daquele que preserva, por debaixo das vestes e calçados da época, o pé de moleque e o coração de capotão. Ah, porque aquele tempo é que era bom....

Guilhermo Codazzi da Costa é editor-chefe do jornal "O Vale".
Este texto foi publicado originalmente na edição deste final-de-semana do jornal

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