Ensaio sobre a cegueira


por Marcos Meirelles

Os petistas, quem diria, se tornaram adeptos do “rouba, mas faz”, no melhor estilo do execrável malufismo dos anos 80.

A pretexto de justificar a presença de Lula na disputa eleitoral de 2018, uma amiga petista argumentou que o ex-presidente, por mais erros que tenha cometido, ainda representa a melhor época de sua vida, do ponto de vista social e econômico.

Complementando sua linha de raciocínio, a amiga petista foi além e tentou dissociar criador de criatura: declarou-se lulista, mas não petista.  Assim, boa parte das tragédias recentes da política brasileira pode ser atribuída à traição do PT. Mas não a Lula.

Meu médico, também petista, avalia que não haverá eleição presidencial em 2018. Segundo ele, as elites, inconformadas com a liderança de Lula nas pesquisas, simplesmente não terão outra possibilidade senão apoiar um novo golpe.

Mas, e se Lula for preso? Meu médico, com a mesma convicção inabalável, acredita que o ex-presidente conseguirá eleger, da prisão, o poste que julgar melhor apoiar, aprimorando o roteiro de Dilma 2010.

No meio do caminho, há, no entanto, um Palocci. Sim, o genial Palocci, que fez fortuna como prefeito de Ribeirão Preto, manipulando contratos e serviços públicos. O genial Palocci que virou modelo de homem público petista. E que, obviamente, reproduziu a bem-sucedida experiência de privatização da coisa pública à frente dos negócios do governo Lula.

Na esfera pessoal de Lula, Palocci era um dos campeões do PT. Mais até do que José Dirceu,  vez por outra preso aos grilhões ideológicos do partido. Palocci era de outra estirpe. Prático, voraz e absolutamente adaptado ao mercado de compra e venda de votos e das licitações e manobras financeiras fraudulentas.

Palocci denunciou Lula na tentativa de reduzir sua pena ou escapar da prisão. O ex-presidente, que via em Palocci um homem público excepcional, passou a chamá-lo de “mentiroso, frio e calculista”.

Quem se equivoca? Certamente, aqueles que acreditam que o mito está acima do homem público, mesmo que este seja o sujeito de erros e falhas inadmissíveis do ponto de vista de quem dizia o campeão da ética.  

Eu poderia optar por nãos os recriminar, considerando que o que há, no campo oposto, é o pior dos mundos, bolsonaristas e mblóides irmanados no preconceito e na ignorância da história e da realidade econômica do país e do mundo. Mas a opção cega pelo mito alimenta justamente a cegueira universal.

Marcos Meirelles é jornalista. Este artigo foi publicado originalmente no jornal "O Vale". 

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