Governo sem voto


por  Marcos Meirelles

Nas páginas do "El País", a jornalista Eliane Brum colocou o dedo na ferida: acabamos de inventar, no Brasil, a democracia sem povo.

Um governo com 5% de aprovação impõe a agenda que interessa aos grandes grupos econômicos e faz todas as concessões aos políticos que lhe dão sustentação. Não há razão para que Temer dê qualquer satisfação à população –seu governo simplesmente abstraiu o conceito de povo, legitimado pela absolvição política de seus crimes.

Temer julga, portanto, que pode fazer o que bem entender das aposentadorias dos brasileiros. Basta recomprar os votos que forem necessários no Congresso. Da mesma forma, o governo pode liberar por decreto a exploração mineral na Amazônia, vender estatais a preço de banana e aumentar impostos reiteradamente.

Numa democracia sem povo, o eleitor, essa pedra no sapato de tantos políticos, torna-se mero apelo retórico nos discursos do governo. Como diz Eliane Brum, Temer suplantou até os generais da ditadura militar. Naquele tempo, tanques e fuzis silenciavam o povo. Agora, pouco importa o que o povo pensa ou diz.  Na democracia sem povo, o pacto de poder é inquebrantável. E, de modo silente, só resta ao povo se entregar à resignação e à indiferença.

A invenção do governo Temer inspira um arranjo ainda mais ousado das elites políticas para 2018: querem criar no Brasil ferramentas para instituir a democracia sem voto.

A cereja do bolo da reforma política em discussão em Brasília é a criação de um sistema parlamentarista sem partidos.

Depois de dois plebiscitos terem rejeitado a adoção do parlamentarismo, a ideia é atribuir ao Congresso –este mesmo Congresso que sustenta o Temer— a responsabilidade de mudar o regime de governo no país. Mas o Centrão não abriu mão de vincular a proposta à criação do famigerado “distritão”. Então Temer e o ministro Gilmar Mendes (esse mesmo!) começaram a arquitetar a proposta do “semipresidencialismo”.

Temer sugeriu até que poderia abrir mão de algum naco de poder para nomear um primeiro-ministro até o fim do seu mandato, caso o sistema seja aprovado agora. E quem seria o escolhido? Romero Jucá?

Não importa o nome. 

O que eles querem é inventar um sistema de governo onde o voto seja apenas uma ferramenta de manutenção de quem já está no poder.  Uma versão contemporânea do voto de cabresto da República Velha. E preferencialmente com o financiamento de um gordo fundo público eleitoral.

Marcos Meirelles é jornalista.
Este artigo foi publicado na edição de final de semana do jornal "O Vale"

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