Encontros e Despedidas


Ao escrever na semana passada um post sobre a antiga Faculdade de Arquitetura de São José dos Campos, abri, sem querer, uma porta na memória ...

Nem todo mundo sabe, mas estudei Arquitetura.

Cumpri metade do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná nos anos 70, deixado para trás quando descobri o Jornalismo. Quase 40 anos depois, não me arrependo da troca. Mas guardo com saudade, em um canto da memória, os anos passados em Curitiba, a sala imensa com pranchetas em um dos prédios gelados da Cidade Universitária, a república de estudantes da rua Benjamim Constant, a vitrola tocando Milton Nascimento e Jethro Tull, amigos como os irmãos Henri e Jacques Colemont, Alcindo e Mary Nishimura, as brigas eternas com os estudantes de Engenharia. Hoje parece outra vida, mas não, é a mesma, anos --que parecem séculos-- atrás. Da Arquitetura guardei o gosto pela estética, o interesse pelas artes e pelo planejamento urbano, além da curiosidade sobre o trabalho de mestres como Frank Lloyd Wright, Santiago Calatrava, Renzo Piano, Rino Levi, entre tantos outros. Guardei também o gosto pela Matemática, cultivado nas aulas de Cálculo 1 e Cálculo 2, onde calculadoras eram proibidas.

Em Curitiba descobri a política estudantil e a paixão pelo Jornalismo.
E conheci a mulher que viria a ser, anos depois,  mãe de três dos meus quatro filhos: Marina, Guilhermo e Julio. Só por eles já bastaria ...

O tempo faz curvas na memória, como narrou com excelência Marcel Proust. Mas a realidade, com certeza, faz muitas mais. Uma prova? Tempos atrás, em minha última visita a Curitiba, descobri que a pensão onde morei nos anos 70, no meu primeiro endereço na cidade, havia sido tombada. O prédio, do início do século 20, a poucos metros do Passeio Público e numa rua mal iluminada, tinha sido recuperado e sua escada, íngreme, serve hoje de acesso ao edifício da Procuradoria Geral do Estado. Pois bem: é lá onde trabalha minha filha Marina –que, tempos atrás, trocou Taubaté por Curitiba, onde vive muito bem, obrigado, sem planos para voltar para a região. Descobrimos a coincidência juntos, o que rendeu boas risadas. Que pena! O prédio estava fechado. Da próxima vez que estiver por lá planejo visitá-lo (quem sabe em breve, não é, Letícia Maria?), com uma parada especial no porão, onde vivi por alguns meses em um quarto gelado no inverno e quente no verão. Vida de estudante é dureza ...

Mas a Curitiba em que Marina vive é diferente da minha.

Fiz com minha filha o roteiro que me era familiar na época de estudante e fomos a alguns lugares onde ela nunca havia andado: a Casa do Estudante, o Passeio Público (onde eu e meus colegas de república estudávamos nas tardes de sol e que é hoje um local degradado), a passagem subterrânea do TUC (além do Teatro Universitário, lá tinha uma casa de sucos, onde trabalhei por um período), o Museu Guido Viaro, o bar sujinho (que não existe mais, só o ponto comercial) em uma esquina do centro onde, de vez em quando, esbarrávamos com Dalton Trevisan. Enfim, um circuito alternativo que estava na moda nos anos 70 e que hoje parece ter submergido no tempo e na geografia da cidade. Em troca, Marina me levou a parques onde, na minha Curitiba, existiam favelas, a cafés e restaurantes nunca imaginados, a bairros nobres onde, para mim, havia imensos vazios urbanos, ao Museu Oscar Niemeyer com seu olho sobre a cidade.

Foi um passeio delicioso, ainda mais pela companhia ...

Esse foi o universo que escapou pela porta da memória aberta com o post sobre a Faculdade de Arquitetura. Vê-lo é bom, pelo que resultou dele --minha carreira como jornalista e, principalmente, meus filhos. Vontade de voltar atrás? Nunca. A vida se vive para a frente, me ensinou meu avô, José Olympio. Ensinou bem ensinado, tanto que a lição ficou impregnada na minha alma desde menino. Mas não deixa de fazer eco no fundo da alma o disco do Milton na vitrola da memória: tem gente que chega pra ficar, tem gente que vai pra nunca mais. Afinal, como diz a letra da música, a plataforma dessa estação é a vida deste meu lugar, é a vida deste meu lugar, é a vida ...

É vida que segue. Sempre ...

Comentários

  1. Existe algo naquela cidade que atrai nossos filhos...o meu (acho que você se lembra) foi estudar Cinema...e ficou. Mais uma vez parabéns pelo texto.

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  2. verdade ...
    é uma grande cidade, com qualidade de vida ímpar.
    fico feliz que tenha gostado do texto.
    abraço

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  3. Esse texto me remete à nossa antiga São José dos Campos onde centenas de estudantes também aportaram para realizar o sonho de cursar arquitetura.

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