Uma praça para o Doutor (2)


Abaixo, transcrevo o texto de justificativa do projeto 146/2017, enviado pelo prefeito Ortiz Junior (PSDB) à Câmara de Taubaté, denominando de Hélcio José da Costa, meu pai, uma das praças da cidade. O texto conta, de uma forma leve, a carreira do Doutor, como eu sempre o chamei:

“Hélcio José da Costa, nasceu em 8 de outubro de 1926 na cidade de
Conservatória, hoje distrito de Marquês de Valença (RJ), filho de José Olympio da Costa, ferroviário, e de Stella Barbosa Costa, costureira.

Decidiu ser médico aos 6 anos.

Menino pobre, estava sob os cuidados das irmãs de uma Santa Casa no interior de Minas Gerais, acompanhando a mãe, internada após uma gravidez mal sucedida, quando achou no pátio do hospital um bisturi, o que, para ele, foi um sinal sobre seu futuro. Iria ser médico para ajudar pessoas necessitadas, como a sua mãe.

Não era um sonho fácil.

Havia poucas faculdades de Medicina no país e, no Brasil dos anos 30, 40  50, o perfil da profissão parecia distante daquele menino do interior, filho de ferroviário, educado em escola pública, trabalhador desde os 12 anos. Determinado, o menino Hélcio se apegou aos estudos, tendo sido sempre o melhor aluno de sua classe ao longo dos anos. Mas, ao fazer, 18 anos, formado no clássico, hoje Ensino Médio, ele se defrontou com decisão: continuar com o sonho de ser médico ou parar de estudar.

Meu avô, que sempre apoiou o filho, deu a ele o único bem valioso que a família tinha, um relógio de ouro. Mais importante que o relógio, lembrança de seu pai, era o futuro do filho. Que vendesse e custeasse os estudos.

Reunindo as economias que tinha, meu pai partiu para o Rio de Janeiro e prestou vestibular na antiga Faculdade Nacional de Medicina.

Aprovado, arrumou emprego no Ministério da Saúde e não vendeu o relógio.
No Rio, nos anos 40, época do chapéu, paletó e gravata, tinha apenas um terno, vinho, ganho em uma rifa. Morava na casa dos tios. Formou-se médico em 1954.

Mas, antes, uma doença mudou a sua vida.

No final dos anos 40, já estudante de Medicina, pegou tuberculose, uma doença, à época, ainda sem cura. Do Rio, veio para Campos do Jordão. Acabou internado na Coréia, como era chamada a ala destinada aos pacientes pobres. Por sorte, determinação ou ajuda divina, sobreviveu à doença que matava milhares por ano, voltou ao Rio e concluiu o curso. O que parecia uma tragédia foi determinante em sua vida: curado, trabalhou em Campos na equipe do médico João Pedro Além, especialista no tratamento da tuberculose. E foi em Campos que conheceu uma professora, Maria Nívia.

A essa morena magra, de olhos castanhos, ele iria declarar pelos próximos 60 anos: Nívia, você é a mulher da minha vida.

Hélcio e Nívia se casaram em 1955, um ano após a formatura na Faculdade Nacional de Medicina. Tiveram dois filhos: Maria Stella Amorim da Costa, nascida em 3 de maio de 1956, e Hélcio José da Costa Junior, nascido em 5 de julho de 1959.

Como médico, sempre foi um estudioso e um profissional dedicado a seus pacientes.
Em um estudo pioneiro, ajudou a elaborar a primeira política pública eficaz para a aplicação da vacina Sabin no país, após o Brasil ter jogado fora doses de vacina e vidas nos primeiros anos da vacinação obrigatória. Foi um dos primeiros médicos do mundo a diagnosticar um caso de síndrome de Chediak-Higashi, uma doença rara que afeta as células do sistema imune, levando-as a uma incapacidade de lutar contra vírus e bactérias. Foi diretor-clínico da Santa Casa de Cruzeiro. Foi o responsável pela implantação do primeiro sistema de tratamento de água de Cruzeiro, nos anos 60. Foi o coordenador do combate à epidemia de meningite que assolou o Vale do Paraíba nos anos 70. Foi professor da antiga Faculdade de Medicina de Taubaté, tendo sido determinante para evitar o fechamento da instituição e garantir a transferência do curso para a Universidade de Taubaté.

Mas não é só.

Como pediatra nas cidades de Campos do Jordão, Piraju, Cerqueira César, Cruzeiro e
Taubaté, para onde veio, com a família, no início dos anos 70, ajudou a salvar milhares de vidas e a cuidar de gerações e gerações de crianças, hoje crescidas e que se lembram com carinho do “Doutor Hélcio”.  Médico do tempo antigo, como gostava de dizer, exercia a Medicina como um sacerdócio, indo a bairros pobres, trabalhando aos sábados, domingo, madrugadas, recebendo, muitas vezes, pés de couve ou maços de taioba como pagamento de consultas feitas a famílias pobres.

Para a família, foi o sustentáculo e um exemplo.

Apaixonado pela família, sempre teve como foco o bem estar dela.
Aos filhos, ensinou a trabalhar desde cedo e a ver, nos estudos, a garantia de futuro. Ensinou que o trabalho dignifica. Mais: ensinou que eles deveriam pensar pela própria cabeça e ter opinião. Incutiu neles o gosto pelos livros, o amor pela família e uma paixão, o futebol. Estendeu toda essa dedicação e essas lições todas aos netos: Maria Luiza da Costa Pereira, Marina Codazzi da Costa, Guilhermo Codazzi da Costa, Fernanda da Costa Zollner e Felipe Faria da Costa. Para eles, a casa dos avós era um lugar a ser frequentado, um segundo lar, uma casa onde recebiam amor e ouviam histórias sobre a família e o mundo.
Esteve sempre próximo dos pais e da irmã, Vilma Thereza Barbosa Dias.

Foi um homem feliz, como disse, diversas vezes.

Morreu sereno, aos 22 de janeiro de 2015, dois meses e meio após a morte daquela que chamou, até o fim, de amor da sua vida. Está sepultado em Piraju, terra de Maria Nívia e dos filhos, Stella e Hélcio. Está presente em nossas vidas, seja nas lembranças, seja nas lições, seja nos gestos e manias que herdamos, cada um, um pouco. Mas, está presente, principalmente, no exemplo de pai, marido, médico e cidadão --que soube doar cada minuto de seu dia à família, a seus pacientes e para a comunidade, sempre de forma honesta, transparente, dedicada.


O menino pobre que sonhou ser médico foi longe.
Hoje e sempre somos todos muito gratos a ele. Muito obrigado, Doutor. Um dia, quem sabe, a gente volta a se encontrar.”

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