O nome do Doutor

Guilhermo, Malu e Marina no colo do Doutor

por Guilhermo Codazzi da Costa

"Então, ele pegava e comia doce de abóbora!"
Era assim, com essa frase desconexa, que eu respondia à pergunta do meu avô, a quem chamávamos de Doutor Hélcio.

Depois de enchermos a barriga com a comida deliciosa que minha avó fazia, ele costumava reunir os netos na sala de jantar e começava a contar uma história. Depois, abruptamente, interrompia a narrativa e  pedia que continuássemos a trama.
Por alguma razão desconhecida, que nem a ciência consegue explicar, eu sempre respondia que o personagem ia parar o que estivesse fazendo para comer doce de abóbora.


Quem imaginaria que aquele garoto ganharia a vida, justamente, contando histórias? E que odiaria doce de abóbora.

Ficávamos todos em volta da mesa. Marina, Malu, Julio e eu.
Todos rindo daquela história maluca. Tínhamos entre 7 e 5 anos, adorávamos passar os dias na casa da minha avó, a dona Nívia. Escondíamos chocolate por toda a casa, caixas e caixas de Bis, e espalhávamos pistas sobre a localização daquele açucarado tesouro.



Era uma caçada deliciosa, uma espécie de Indiana Jones na loja de doces.


Ao lado da sala de jantar havia um cômodo para ver televisão -- não podíamos jogar videogame por causa da Malu e seu Atari assassino, que, segundo a minha avó, queimava os televisores da casa. Obrigado, Malu. Nesta sala, havia na parede uma placa com bordas de madeira e uma placa de metal, com o nome do meu avó e sua profissão: Hélcio Costa, médico. E não era um médico qualquer, longe disso. Era aquele tipo de médico antigo, capaz de fazer um diagnóstico só de olhar para o paciente.

Ele também gostava de contar histórias, do tempo em que lutou contra os poderosos da época para levar o tratamento de água para Cruzeiro ou de quando conheceu dona Nívia em Campos do Jordão.


Meus avós se foram recentemente: ela no fim de 2014 e ele no começo de 2015.
Para essa dor da saudade, eu --mesmo não sendo médico-- receito uma boa dose de boas lembranças. E são tantas ...


Agora, o nome do Doutor foi escolhido para batizar uma praça de Taubaté.
Uma justa homenagem, que deixa a família extremamente feliz.
No entanto, lá no fundo, o mais importante é que aquele nome gravado na placa de médico continua vivo em seus filhos, netos e demais familiares. Chegou a nossa vez de continuar a história, carregando este nome de Costa a Costa.



E, para mim, a história sempre terá um doce gosto de abóbora.
E de saudade.


Guilhermo Codazzi da Costa é editor-chefe do jornal "O Vale", onde este texto foi publicado originalmente no último final de semana. 


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