Carlinhos: pedras no sapato

Carlinhos na campanha de 2016

Carlinhos Almeida (PT) terminou 2016 em maus lençóis.

Derrotado nas urnas, custou para levar o governo até o fim, sob pressão de uma crise que esvaziou os cofres públicos, aliada a gastos sem controle em obras e publicidade no início do ano, para tentar reverter o quadro eleitoral. No fim da gestão, dois tropeços: teve os direitos políticos cassados pela Tribunal de Justiça do Estado em razão de abuso de poder econômico nas eleições de 2012, razão pela qual está inelegível pelos próximos 8 anos; e acabou réu no processo que investiga fraude na compra de material para o kit escolar. O início de 2017 não foi menos ruim: Carlinhos foi citado em delação premiada de um ex-executivo da Odebrecht durante a Operação Lava Jato.


Na segunda parte da entrevista exclusiva, Carlinhos analisa cada uma dessas "pedras no sapato". Segundo ele, sua consciência está tranquila.  "
Eu não mudei meu padrão de vida depois que eu sai da prefeitura. Eu vivo da mesma forma, eu vivo do meu salário, que, hoje, é menor do que o salário que eu tinha (quando prefeito).

Boa Leitura.


Você foi candidato a vereador pela primeira vez em 1988, assumiu como suplente em 89 e, desde então, sempre ocupou cargos eletivos. Foi deputado estadual, presidiu a Assembléia Legislativa do Estado, foi deputado federal. Agora, 27 anos depois, você está fora do guarda-chuva de um cargo público. Como é isso para você?

Para mim, pessoalmente, é muito tranqüilo. Embora eu tenha uma carreira política, nunca desenvolvi uma mentalidade carreirista a ponto de pensar que isso nunca poderia mudar. Muitas vezes as pessoas me falavam: você mantém esse vínculo com a Caixa Econômica Federal, mas nunca vai sair da política. Mas não, eu dizia que você, exercendo um cargo eletivo, está cumprindo um mandato e um mandato sempre é temporário. Por mais que você tenha uma base política, você tenha um apoio, e esse mandato possa a ser renovado, como no meu caso foi renovado por vários anos, o princípio do mandato é o princípio temporário e é o princípio da representação. Não acho que político deva ser uma profissão. A pessoa pode ter uma carreira, mas de política, de trabalho social.

E eu tenho uma visão de que você tem círculos. Um maior, que é uma visão humanista. Dentro desse círculo, um menor, englobado nessa visão humanista, que é a visão social. Dentro, menor ainda, uma visão política. E, dentro dela, uma visão menor ainda, uma visão partidária. O que me levou para a partidária foi uma visão de mundo, que eu chamaria de humanista. Ela me levou ao movimento social nos anos 80, depois à política, à política partidária e aos mandatos. Eu acho que um dos problemas que nós vivemos hoje é que houve uma hipertrofia dessa dimensão da política partidária.

Por isso não senti nenhum tipo de vazio. Estou tranqüilo. E aproveitando esse momento para fazer uma reciclagem. No período de mandato, em que fiquei licenciado, o mundo mudou e os bancos mudaram. Então nós vivemos hoje uma realidade diferente, eu estou tendo que reaprender muita coisa. E isso é bom.

Carlinhos, afinal qual o tamanho do rombo que o seu governo deixou? O governo do PSDB fala em mais de R$ 300 milhões, um estudo do vereador Wagner Balieiro, do PT, reduz o valor a pouco mais de R$ 20 milhões. Para você, qual o tamanho do problema?

Eu deixei uma prefeitura equilibrada, tanto que conseguimos ir, até o fim, com todos os serviços fundamentais em dia. Mesmo com um clima que se fez de até mesmo instigar fornecedores. Terminamos o governo com a manutenção da cidade em ordem, com o Hospital Municipal funcionando, com os salários em dia. Agora, nós tivemos uma dificuldade financeira. E não foi só na Prefeitura de São José. A arrecadação da União, dos Estados, dos municípios caiu vertiginosamente e as pessoas, ao longo dos anos, tiveram um aumento de serviços. E nós tivemos, no final, a crise econômica, que aumenta a demanda dos serviços públicos.

Então, qual a opção tem o gestor neste momento? 

Ele tem a opção de ser um gestor frio, economista, financista, que corta programas sociais para que ele tenha um azul no balanço final ou administrar os pagamentos de forma a que você possa dar continuidade a programas que são essenciais. Nós fomos até dezembro com as academias ao ar livre funcionando, com instrutores, nos parecia um programa importante. Na forma de dar lazer à população, seja na forma de manutenção de m certo nível de emprego, que também é o papel do poder público.

Uma vez, o ex-prefeito Emanuel Fernandes me disse que ser prefeito no Brasil é um risco. Mesmo sendo correto, ele disse, você está sob vigilância constante e sob risco de ser alvo de uma denúncia ou fiscalização.
Você deixou a prefeitura com dois problemas nas contas: foi citado em uma das delações da operação Lava Jato e teve os direitos políticos suspensos pelo Tribunal de Justiça do Estado no final do ano passado,  por abuso do poder econômico na eleição de 2012.
Vamos discutir caso a caso? E, afinal, vale a pena ser prefeito?

Olha, em primeiro lugar, vale a pena ser prefeito porque você pode realizar um programa de medidas, de iniciativas, que melhoram a vida das pessoas e, mais do que isso, mostram um rumo da cidade que você acredita. Eu fico feliz quando vou à região leste de São José e vejo as transformações que a gente realizou. Eu fico feliz em ver pessoas com documentos, com titulo nas mãos, de bairros que a gente regularizou, alguns deles com algum tipo de infra-estrutura que a gente conseguiu realizar. Fico feliz quando vejo a Escola Interativa.

Mas, a atividade política hoje está muito desgastada por erros do sistema político brasileiro, erros que vão levar a um aprimoramento do sistema político.
Agora, cada um de nós é passível de cometer erros. Eu disse no começo do meu mandato que eu era prefeito e não perfeito. Ninguém é. Você pode cometer erros, você pode ter falhas. Mas o principal para mim nessas questões todas é que eu tenho a minha consciência tranqüila. Eu não mudei meu padrão de vida depois que eu sai da prefeitura. Eu vivo da mesma forma, eu vivo do meu salário, que, hoje, é menor do que o salário que eu tinha (quando prefeito). Para isso, eu e minha família fizemos toda uma remodelação da nossa vida. Isso para mim é o mais importante. E as pessoas percebem isso.

Eu sei que hoje ser prefeito é carregar pela vida uma série de processo. É assim como (Eduardo Cury), o Emanuel foi condenado. Existem uma judicialização da política absolutamente exagerada, na minha opinião. Agora, o mais importante é que eu tenho a consciência tranqüila e o mesmo padrão de vida que eu tinha antes. Eu não enriqueci na prefeitura, eu não adquiri patrimônio no período em que estive como prefeito.

Vamos pontuar as questões, que tanto causam dor de cabeça para você. No caso do kit escolar, em que você foi tornado réu pela Justiça, o que você faria diferente?

Não vou falar o que eu mudaria, vou falar o que nós mudamos. Fizemos o programa no primeiro ano, tivemos problemas e apuramos. Punimos a empresa. E tenho convicção que, ao longo desse processo, vamos conseguir demonstrar que não houve nenhum ato meu que desrespeitasse a lei ou a ética. O que aconteceu é que, num processo que você faz pela primeira vez e naquele voluma, 70 mil crianças, pode haver falhas. E digo mais: você pode e deve, na sequência, aprimorar o projeto.  Nós fizemos, no primeiro ano, um (xx) muito amplo. Percebemos, ao longo do processo, que alguns itens não eram necessários. Vou dar um exemplo. Em algumas cidades fornecer mochila faz muita diferença, mas, em São José, nossa experiência mostrou que mochila não era um item fundamental. Muitas crianças preferiam ter a sua mochila, que o pai comprava, com a sua caracterização. Então, no segundo ano, não teve mochila.
Fomos aperfeiçoando o processo ao longo da gestão. Acho que é assim que tem que ser ...

Mas o kit escolar virou uma espécie de símbolo de desperdício de dinheiro público. No governo atual, uma das primeiras ações foi paralisar a licitação da compra de material escolar para reavaliação. E o governo comemorou ter reduzido o preço.

Tiraram itens, reduziu o preço. Mas o importante é que ele (o kit escolar) é fundamental para as crianças e nós conseguimos consolidar, ao longo da nossa gestão, consolidar isso, o que foi uma conquista para a Educação.  O material não é apenas um consolo financeiro para as famílias, a importância deles está em garantir, para todas as crianças, um item que é importante, independente de situação social, independente de renda. E esse programa está consolidado, tanto que a atual administração, que nunca fez e no passado se dizia contrária a fornecer material, manteve.

Voltando ao caso da Odebrehct Defesa e da Lava Jato, um processo que virou, no Brasil, sinônimo de falcatrua, desvio, corrupção. Você se sente incomodado por ter sido citado nas delações da Lava Jato?

Não me sinto incomodado, você pode ouvir o vídeo (da delação) e está lá a maior prova de que eu não cometi nenhuma irregularidade, nenhum crime.

Mas eu quero repetir a você, o que me deixa mais tranqüilo e menos incomodado é que eu sei que eu passei pela prefeitura e não tirei nenhum proveito pessoal ilícito do cargo. Eu mantenho hoje o mesmo padrão de vida que eu mantinha antes. Eu vim trabalhar hoje no mesmo lugar que eu trabalhava antes de eu ser deputado, prefeito.


Leia Mais:Daqui a pouco, a terceira parte da entrevista com Carlinhos Almeida. Nela, ele fala sobre a crise que abala o país e sobre seu futuro político


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