A censura está viva ...

Taís Gasparian (Rogério Marques/O Vale)

Vencido o período negro da censura exercida a ferro e fogo pela Ditadura Militar, o país
vive hoje tempo ímpar de liberdade de expressão. Mas a censura, essa velha megera, não morreu. Ela surge, aqui e acolá, exercida pelo Judiciário.

Exagero?

Não para a advogada Taís Gasparian, segunda palestrante do Fórum O VALE de Jornalismo, realizado na tarde da última segunda-feira, em São José dos Campos, para debater “Liberdade de Expressão”. Formada pela USP, sócia desde 1991 do escritório Rodrigues Barbosa Mac Dowell Gasparian Advogados, de São Paulo, Taís sabe, na prática, do que fala. Advogada da “Folha de S. Paulo”, do UOL e da Rede Globo em diversos processos, é taxativa: hoje não existe mais a figura do censor nas Redações, mas empresas jornalísticas são proibidas, muitas vezes, de abordar temas de interesse público e até de falar de alguém. Para ela, não há dúvida: isso é uma forma de censura judicial.

-- Uma vez tentaram na Justiça proibir a “Folha” de falar do Daniel Dantas, uma figura de destaque no noticiário da época. Existiu uma proibição de falar em Roberto Carlos. Mas nada? Nem sobre a discografia pode? – disse.

A advogada lembrou de alguns casos de tentativa de censura judicial, como a ação do grupo Crefisa contra o jornalista Juca Kfouri e o caso Marcela Temer, quando, a pedido do Planalto, um juiz do Distrito Federal tentou impedir a “Folha” de publicar reportagem sobre tentativa de extorsão de um hacker contra a primeira-dama da República. Nesse último caso, a ação da velha megera tropeçou no calendário: a decisão da Justiça, tomada em uma sexta-feira, só foi comunicada oficialmente ao jornal na segunda-feira, após a publicação danotícia. Acabou afetando apenas a edição eletrônica do jornal. O contragolpe da “Folha” veio em dose dupla: na manchete de terça-feira, “A pedido do Planalto, juiz do DF censura a Folha; jornal recorre”, e na derrubada da censura noTribunal de Justiça do Distrito Federal, com uma frase lapidar do desembargador Arnoldo Camacho de Assis.

-- Não há, pois, como consentir com a possibilidade de algum órgão estatal –o Poder Judiciário, por exemplo– estabelecer, aprioristicamente, o que deva e o que não deva ser publicado na imprensa – escreveu ele.

(Nesse ponto, é bom abrir um parênteses e contar uma história engraçada, revelada pela própria Taís no Fórum: em audiência com o desembargador, ela tratou, por engano, Marcela por Michela, até ser corrigida por ele. A explicação bem humorada dela: "Tem Michel, Michelzinho, achei que toda a família era Michel", disse, arrancando risos da platéia. Fecha aspas)

Mas nem sempre se vence. E nem sempre é fácil, até quando se vence.

Taís Gasparian lembrou aos presentes no auditório do Hyde Park, que sediou o Fórum, o episódio que envolveu a jornalista Elvira Lobato, repórter especial da “Folha”, após a publicação de uma série de reportagens sobre aIgreja Universal em 2007. Elvira e a “Folha” foram alvo de 120 ações de fiéis da Igreja Universal. Protocoladas em diversos pontos do interior do país, de Abelardo Luz (SC) a Aparecida do Taboado (MS), de Caicó (RN) a Dianópolis (TO). Como as ações deram entrada pelo Juizado Especial Cível, que exige a presença física dos acusados nas audiências, a jornalista e os advogados do jornal foram levados a uma peregrinação pelo país.

-- Isso é um exemplo de assédio judicial, de uma ação orquestrada  – disse Taís.

Curioso: apesar das ações terem pipocado do Oiapoque ao Chuí e terem como autores 120 fiéis que alegavam terem sofrido prejuízo moral com as reportagens sobre a Igreja Universal, o teor das ofensas sofridas era o mesmo: “O autor tem sido vítima de discriminação religiosa em razão do conteúdo tendencioso da matéria difundida pelos réus. O autor passou a ser apontado pelos seus semelhantes com adjetivos desqualificados e de baixo calão, além de ser abordado com dizeres desse tipo: ´Viu só! Você é trouxa de dar dinheiro para essa igreja!’; ‘Esse é o povo da sua igreja?! Tudo safado!; ‘Como é que você continua nessa igreja? Você não lê jornal, não?’; ‘É. Crente é tudo tonto, mesmo’ ”, disseram, em repeteco, inúmeras e inúmeras ações.

Do Oiapoque ao Chuí ...

O caso durou um ano, com audiências segunda-feira em Santa Catarina, terça-feira na Bahia, quarta-feira no Mato Grosso do Sul, daí por diante. Terminada a romaria, pelo menos uma boa notícia: a repórter e a ”Folha” não perderam nenhum dos casos.
Mas a novela não teve um final feliz: pouco depois, Elvira Lobato, uma das repórteres mais talentosas de sua geração, deixou o jornalismo ...


Em tempo
O Fórum O VALE de Jornalismo, realizado pelo jornal “O Vale”, teve apoio da empresa Matéria Consultoria & Mídia em sua organização. A cada dia, o blog "dois:pontos” vai publicar um resumo das palestras do Fórum. Daqui  a pouco tem uma segunda parte da palestra de Taís Gasparian sobre “Direito ao Esquecimento”. Até lá.


TAÍS GASPARIAN É SÓCIA DESDE 1991 DO ESCRITÓRIO RODRIGUES BARBOSA MAC DOWELL GASPARIAN ADVOGADOS EM SÃO PAULO. A CARTEIRA DE CLIENTES DO ESCRITÓRIO INCLUI A “FOLHA DE S.PAULO”, DOIS GRANDES PROVEDORES DE SERVIÇOS DE INTERNET DO PAÍS, E A PRINCIPAL EMPRESA DE ENTRETENIMENTO NO PAÍS. ELA TEM GRANDE EXPERIÊNCIA COM OS ASSUNTOS RELATIVOS À LIBERDADE DE EXPRESSÃO, COM FOCO NO CONTENCIOSO CÍVEL, DA INTERNET E NO MERCADO PUBLICITÁRIO. TAÍS LECIONA NA DISCIPLINA DIREITO DIGITAL PARA JORNALISTAS NA UNIVERSIDADE ESPM EM SÃO PAULO. FOI MEMBRO DA COMISSÃO DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO DO CONSELHO FEDERAL DA OAB E SE TORNOU COLABORADORA FREQUENTE DA UNIVERSIDADE DE COLUMBIA NO GLOBAL FREEDOM OF EXPRESSION WEBSITE. TAÍS GASPARIAN SE FORMOU NA FACULDADE DE DIREITO DA USP E POSSUI UM MESTRADO EM TEORIA GERAL DO DIREITO NA MESMA UNIVERSIDADE.


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