Trem descarrilado

Alckmin & Doria
por Marcos Meirelles

O trem metropolitano do governador Geraldo Alckmin poderia ser interpretado como a versão tucana do trem-bala de Dilma Rousseff.

Um factóide destinado a ludibriar os incautos.
Uma obra de ficção política, ancorada em supostos acordos de cooperação com o mambembe governo Temer e na magia dos três pês.



Mas o trem ressuscitado por Alckmin é, sobretudo, um erro de cálculo e de leitura da realidade política enfrentada pelo país. O governador tucano tenta se apresentar como o idealizador de obras futurísticas e de custos astronômicos num momento em que os brasileiros estão enojados com a farra das empreiteiras.

Se Alckmin houvesse se transformado em modelo de gestor de obras públicas, talvez seu discurso ainda fizesse algum sentido. Mas o Estado de São Paulo está longe de ser exemplo nesse quesito --no nosso entorno, basta citar a novela da duplicação da Tamoios e a interminável saga dos atrasos nas obras do Metrô em São Paulo.


Depois de 12 anos à frente do governo de São Paulo, Alckmin ameaça se tornar uma figura política deslocada do seu tempo. O governador continua lidando com os seus eleitores com a velha fórmula do "tapinha nas costas, semblante austero e rosário positivo de números e obras (reais e imaginárias)".
Ironicamente, à sua sombra e por sua obra e criação, cresce a figura política do prefeito João Doria, que lida de modo bem diferente com o mundo dos emojis.


No mundo de Doria, a austeridade comportada de Alckmin perde espaço para um esnobismo diletante em relação às amarras da máquina pública. Tudo é possível e permissível se isto satisfaz a vontade do eleitor e a voracidade das redes sociais. Neste mundo, é perda de tempo discutir obras estruturantes ou a melhoria efetiva dos serviços públicos prestados à população. Vale mais a certeza de que é possível viabilizar uma administração pública sem a tutela da política convencional (embora isso seja, evidentemente, pura ficção à venda para a turma dos emojis).


Não por acaso, Doria é considerado candidatíssimo à Presidência da República, em disputa direta contra seu padrinho, protetor e criador.

Com seu discurso "apolítico", o prefeito de São Paulo agrada hoje uma ampla gama de emojis, dos adeptos de Bolsonaro às vetustas senhoras dos Jardins, dos bailes funk da periferia às baladas dos endinheirados.

Estes mesmos eleitores até respeitam Geraldo Alckmin e o consideram sério e honesto. Estão cada vez mais convictos, no entanto, de que é hora de acelerar as mudanças no país e de que este não é um atributo do governador.


Neste cenário, o trem metropolitano de Alckmin acentua o descompasso de um político à procura de um discurso para legitimar um sonho acalentado há muitos anos e uma candidatura que parecia mais do que certa com o avanço da Lava Jato sobre as peripécias de Aécio. Ao menos no campo tucano, se a política virar um simulacro das redes sociais, o posto de Ayrton Senna das urnas caberá certamente ao açodado João Doria.


Marcos Meirelles é jornalista.
Este artigo foi publicado originalmente na edição de hoje do jornal "O Vale"

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