O corte é na sua carne
por Julio Codazzi
Imagina a cena daqueles filmes que beiram o absurdo: o
comandante do avião afirma que a aeronave está com muito mais peso do que
deveria, e que jogar fora parte da bagagem é a única forma de se evitar a
queda.
Sentado na classe econômica, o protagonista se assusta e pensa: “é claro
que está pesado demais. O pessoal da primeira classe trouxe baús com joias,
móveis luxuosos, contêineres. Por mais que esse avião seja um dos maiores do
mundo, não tinha mesmo como suportar”.
Passados alguns minutos, os comissários
chegam à classe econômica com a notícia: “o pessoal da primeira classe pensou
bem e decidiu que a única alternativa é vocês se livrarem das suas bagagens.
Malas com roupas, computadores, celulares e até carteiras. Tudo”, diz a
aeromoça. Um passageiro pergunta por que não jogam antes as bagagens pesadas do
pessoal da primeira classe, mas é interrompido. “Se vocês não aceitarem, o
avião vai cair”, alerta outra aeromoça.
No cinema essa cena só seria possível
em um filme muito ruim, e que ignorasse completamente as leis da física. Na
vida real, isso é basicamente o que está acontecendo hoje no Brasil.
Metaforicamente, é claro.
O país se tornou um problema gigantesco, com uma alta
carga tributária que não é compensada por serviços públicos de qualidade, com
diversas contas que não fecham, ou então que parecem não fechar.
Nesse
pandemônio, justamente a classe mais privilegiada, a primeira classe do avião
ali de cima, diz que a única solução é a realização de diversas reformas, como
a trabalhista, a previdenciária, além das mudanças nas regras de investimento
público em áreas importantes, como saúde e educação.
O absurdo disso é que não
faz nenhum sentido discutir qualquer corte de diretos básicos sem antes
eliminar tudo o que é desnecessário.
Por que nós não devemos começar, por
exemplo, pelo corte de salários e regalias de nossos políticos? Todos ganham
muito mais do que deveriam, e têm inúmeros assessores que também recebem mais
do que o bom senso recomenda. Fora os auxílios -- para viajar, alugar
apartamento, comprar terno, e por aí vai. A lista é grande.
Isso resolveria
todos os problemas do Brasil?
Claro que não. Mas seria um bom começo.
Claro que não. Mas seria um bom começo.
Diminuir
o custo da máquina pública possibilitaria mais dinheiro para os serviços
públicos. E, com mais qualidade, você poderia -- quem sabe um dia --deixar de
pagar mais para ter saúde e educação de bom nível. Além do que, seria menos
indigno por parte dos nossos políticos pedir que cortemos na própria carne
antes que eles façam o mesmo. Eles têm muito mais gordura para isso ...
O
sistema previdenciário tem falhas?
Sim. Mas talvez a maior delas seja permitir que pessoas como o presidente da República estejam aposentadas desde os 55 anos com vencimentos de R$ 30 mil. Não se corrige isso obrigando a população comum a trabalhar 49 anos.
Sim. Mas talvez a maior delas seja permitir que pessoas como o presidente da República estejam aposentadas desde os 55 anos com vencimentos de R$ 30 mil. Não se corrige isso obrigando a população comum a trabalhar 49 anos.
O maior problema dessas reformas é que elas só foram
discutidas pelos passageiros da primeira classe. E, enquanto nós da classe
econômica estamos desesperados, por lá isso é tratado como mera turbulência.
O jornalista Julio Codazzi é editor de Política do jornal "O Vale".
Este texto foi publicado originalmente na edição do último domingo desse jornal
Este texto foi publicado originalmente na edição do último domingo desse jornal
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