Ecos da Redentora 2
E tem gente que tem saudade ...
O Golpe de 64 faz hoje 53 anos. Foi o início de um dos
períodos mais negros da história do Brasil. O que começou como uma reação ao
chamado radicalismo do governo João Goulart se transformou em 21 anos de
Ditadura.
Foram anos de arbítrio, perseguições políticas, cassações
indiscriminadas de mandatos, restrição ao voto e institucionalização da tortura
e do extermínio como ferramentas do Estado para lidar com a oposição ao regime.
Até hoje se busca o número exatos de vítimas da Ditadura. Em seu relatório
final, a Comissão da Verdade fala em 434 mortos e desaparecidos. Mas ela
própria admite: o número é bem maior. Foram anos de censura e de restrições à
liberdade de opinião. O habeas-corpus foi extinto. Os salários, achatados. O
bolo da economia, que deveria crescer para depois ser dividido, segundo Delfim Neto, cresceu com o Milagre Econômico,
mas a divisão ficou cada vez mais desigual. Os 10% mais ricos, que tinham 38%
da renda em 1960, subiram para 51% da renda 20 anos depois, enquanto os mais
pobres caíam de 17% da renda para 12%.
Siglas e números como AI-5, DOI-Codi e o decreto-lei 477, chamado de AI-5 das universidades, mudaram o
país. Para muito pior.
Cinco-generais presidentes depois, a Ditadura caiu de podre. Mas, hoje, 53 anos depois do Golpe de 64 e 32 anos depois da Redemocratização,
ainda tem gente que tem saudade ...
Fazer o que?
Essa é a graça da Democracia, que custou a dar as caras no
Brasil: cada um pode pensar e falar o que quiser, sem o risco de ir para a
cadeia e morrer nos porões do Estado.
Os ecos e rastros da Ditadura estão por aí. Mas é bom que
estejam. Eles são a vacina contra esse erro histórico, que, uma vez cometido, só
precisou de quatro anos para virar arbítrio, mas levou 21 anos para ser
extirpado. Por isso, fale, Jair Bolsonaro, as coisas que você diz são o preço
de vivermos em uma sociedade livre. Exerça o direito de falar, direito que na sua
saudosa Ditadura foi negado a todo brasileiro. A democracia não pode temer palavras. Ao contrário, o Estado Democrático transformou inúmeros rastros da Ditadura em
células de conciliação. Em São Paulo, por exemplo, o prédio do antigo DOPS, onde
reinou soberano, por anos, o delegado Sérgio Paranhos Fleury, hoje abriga o
Memorial da Resistência de São Paulo, um museu sobre os crimes cometidos pela
repressão. Não é o único.
O país precisa fazer as pazes, em definitivo, com seu
passado.
Isso não significa varrer o nome de pessoas ligadas à
Ditadura de todas as praças, estradas e monumentos do país, do Oiapoque ao
Chuí. Nem devolver o busto de um ex-presidente militar à praça pública em pleno
ano de 2017, o que considero um contrassenso. Significa conhecer a fundo a
história recente do país e estar atento para que o fantasma da Ditadura esteja afastado
para sempre da história do Brasil. Significa reconhecer que, 53 anos depois, esse
tema ainda incomoda muita gente. Significa saber o que foi feito nos porões da Ditadura em nome do Estado e por quem. Significa saber que o caminho da luta armada foi um erro, um erro lamentável que ceifou vidas e serviu de álibi para o recrudescimento do regime. Significa saber que não existe caminho confiável quando se envereda pela seara das rupturas institucionais. Significa saber que, sim, a Democracia é complicada, dá trabalho, mas que, sim, é o
melhor que temos.
Mas tem gente que tem saudade de outros tempos.
Bem, fazer o que? Estamos em uma Democracia. Cada um sabe onde bate a sua saudade, mesmo que ela bata no lugar errado da história.
Bem, fazer o que? Estamos em uma Democracia. Cada um sabe onde bate a sua saudade, mesmo que ela bata no lugar errado da história.
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