Cultura & outras irrelevâncias



por Fabrício Cunha


Caríssimo prefeito de São José dos Campos, Felício Ramuth.

Você está certíssimo.

Nossa cidade levou pelo menos três ciclos históricos para se tornar a capital da tecnologia. Saímos de um solo de commodities, para uma cidade quase fantasma, onde se vinha para morrer de tuberculose.

Hoje, pujantes e reconhecidos, não vamos negociar nosso patrimônio aristocrático recém adquirido com o selo de um desenvolvimento tecnológico sem igual, matriz da nova tecnocracia nacional.

Vamos dar ouvidos aos artistas da cidade? Não! Essa casta sem formação em exatas precisa procurar outro curral. Aqui, não refletimos, nem pensamos. Nosso nome é trabalho. Somos um substrato com a incumbência de mantermos as engrenagens como sempre foram. Muitos trabalhando e alguns pouquíssimos lucrando, desde que minha cerveja esteja garantida no sábado e eu possa ir pra Caraguá duas vezes por ano. Além do que, ainda posso chegar a ser classe média, ganhar um relógio da Embraer depois de 30 anos de trabalho e conhecer a Disney com os filhos.

A cultura é um instrumento pedagógico de formação social e cidadã, que nos dá noção de protagonismo e de humanidade, de forma que nos vejamos como pessoa e atuemos na sociedade como tal. Agora, pra que isso? Os políticos, os patrões, os mandatários de toda ordem já pensam por mim.

A arte é um instrumento propagador de beleza. Mas ver beleza como? Não temos tempo. Estamos ocupados demais fazendo nossa cidade aumentar o PIB a despeito do custo humano e ecológico que isso produza. 

Higienizemos São José.

Que estas moléstias contagiosas, chamadas de “artistas” de toda ordem, escritores, atores, músicos, palhaços, pintores, procurem outras praças para se expressarem, outros públicos para os aplaudirem, outras crianças para aprenderem consigo. Aqui, formamos técnicos e engenheiros, apertamos parafusos e corremos atrás da cenoura que nunca alcançamos, bem diante de nossos narizes.

A propósito, transformemos aquele prédio da Fundação Cultural, numa moderna incubadora de startups. Aliás, já começamos, assim que um “interventor” foi nomeado, ao invés de um gestor de cultura.

E façamos tudo isso com rapidez, arrogância e ironia, do jeito de São José.


Fabrício Cunha é cientista social e escritor, além de torcedor do São Paulo. Ele está lançando seu segundo livro, "Juro que tentei". Este texto foi publicado originalmente pelo jornal "O Vale", na edição de 23 de fevereiro

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