Quem sai na chuva é pra se queimar

Foto: fosfosol.com.br

O difícil não é fácil, ensinava Vicente Matheus, do alto de sua sabedoria.

Eterno presidente do Corinthians, ele tinha razão.
Autor de frases que entraram para o imaginário do brasileiro, Matheus sintetizou nesta frase a surpresa ingênua com o trabalho que dá para fazer bem feito alguma coisa realmente complicada. Bobagem é fácil fazer. É no vapt-vupt. Fazer certo, aí é outra coisa, dá um trabalhão. Meu amigo Pasquarelli Junior, palmeirense de carteirinha, daqueles que acreditam piamente no Mundial de 51, que me perdoe, mas Doutor Vicente era um gênio. Tão esperto que ganhou a simpatia do pai Pasquarelli quando ambos, já velhinhos, estiveram internados lado a lado em um hospital de São Paulo. A simpatia do velho palmeirense pelo cartola do Corinthians, e vice-versa, é, para mim, uma das provas mais líricas de que o respeito entre rivais é possível, seja no esporte, seja na política, seja no dia-a-dia, como naqueles casos de vizinhos que passam a vida implicando um com o outro. Basta tentar enxergar o outro como alguém de carne e osso, como a gente, com problemas, desafios, anseios, frustrações e alegrias pela vida a fora.

O que tudo isso tem a ver?
Outro dia estava ouvindo o professor e historiador Leandro Karnal, que estreou um programa de comentários curtos na TV Bandeirantes. Gosto dele, do seu tom professoral, apesar de achar que ele corre o sério risco de virar unanimidade e isso é um risco, como advertia Nélson Rodrigues. Bem, voltando ao eixo, como pregava Eduardo Suplicy, Karnal alertava no programa de estreia para o risco do discurso de polarização política que tem tomado conta do país, em especial das redes sociais, com a adjetivação de um lado e de outro tomando lugar do debate de ideias. “A polarização não favorece ninguém, apenas mostra como incomoda a divergência, evidencia a nossa insegurança”, disse. Para finalizar que, com mais de 206 milhões de pessoas, com realidade diversificada de Norte a Sul, com suas diversas classes sociais, com sua variedade religiosa enorme, o Brasil não pode ter apenas uma possibilidade. E sentenciou: “A polarização quer matar a diversidade democrática de explicar o Brasil.”
Concordo com ele.
Gosto do debate, gosto de conhecer novas ideias, gosto de confrontar os meus valores e crenças com os valores e crenças dos outros. Até para aprender. Até para referendar conceitos. Ou, quem sabe, descobrir novas fronteiras. Mas acho que sou velho. Isso parece ter saído da moda. Talvez a raiz do meu pensamento ainda esteja no século 17. “Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até o último instante o direito de dizê-la”, teria escrito Voltaire. Hoje, quando tudo é relativo, até essa mesma frase alguns consideram criação tardia de um biógrafo e não uma criação do filósofo francês, nascido François Marie Arouet. Sei lá. Não existe Voltaire 2.0, o conceito da história se dissolveu, vivemos, é moda dizer, tempos líquidos, onde nada é feito para durar, como defende ZygmuntBauman.

E daí?



Estamos condenamos à polarização cada vez mais, do nós contra eles, do embate digestivo entre coxinhas e mortadelas? Bem, eu adoro mortadela, isso significa que tenho o PT em meu DNA? Que bobagem. Viva a diversidade. Sem ela não há futuro. Espero que trilhemos outros caminhos, menos obtusos que a polarização estéril, cheia de certezas, mas vazia. Afinal, o jogo só acaba quando termina, também dizia Doutor Vicente, fazendo eco no bordão do Velho Guerreiro, Abelardo ChacrinhaBarbosa. E já que estamos aqui, jogando o jogo, vamos fazer acontecer.
Afinal, quem está na chuva é pra se queimar ...



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