Mentira como método de governo

Jair Bolsonaro


por Marcos Meirelles

Quando escreveu “Eichmann em Jerusalém”, Hannah Arendt se mostrou aterrorizada com a frieza com que o nazista descrevia suas atrocidades, sempre tentando legitimar a narrativa nazista. 

Mais tarde, Arendt escreveu um texto chamado “Verdade e Política”, para investigar o prejuízo que o poder político é capaz de causar à verdade. Segundo Arendt, para a política, “a verdade tem um caráter despótico”. Por isso, ela “é odiada pelos tiranos, que temem, com razão, a concorrência de uma força coercitiva que não podem monopolizar”.

Arendt reiterou que o “pensamento político é representativo”, ou seja, explora narrativas que buscam a identificação entre representante e representado, não importando tratar-se ou não de mentiras. Além disso, mentiras foram sempre consideradas como instrumentos necessários e legítimos, não apenas na profissão de político ou demagogo, mas também na de homem do estado.

As lições de Arendt são muito importantes para entender os riscos da guerra de narrativas que domina o mundo atual e que muitos chamam de a “era da pós verdade”.  A filósofa também nos ajuda a compreender como o Brasil se meteu nesta tremenda sinuca de bico, com um presidente da República que utiliza a mentira como método e dissemina narrativas que desagregam e embrutecem o país.

Bolsonaro e seus filhos não suportam a verdade de uma pandemia que já tirou a vida de mais de 15 mil brasileiros. Por isso, investem em narrativas absurdas, que colocam o Brasil na contramão do planeta e ameaçam transformar o país no epicentro mundial da Covid-19.
Bolsonaro e seus filhos vão além e demonizam todas as instituições e agentes públicos que colocam a prevenção à Covid-19 como prioridade do país. A narrativa em curso transforma prefeitos e governadores em vilões do emprego e patrocinadores da fome. E o governo federal se exime de qualquer responsabilidade pela situação dramática enfrentada por todos os brasileiros. 

Mentiras, política e crime se misturam há séculos, adverte Harendt. E as piores tragédias da humanidade ocorrem nas sociedades que se tornam tolerantes aos monstros.

Marcos Meirelles é jornalista. Este artigo foi publicado originalmente na edição do jornal "O Vale" deste final de semana

Comentários

  1. Concordo com o texto, sou um estudioso de Arendt e sua obra, mas com um ajuste. No caso brasileiro, vejo claramente o fenômeno político da post-truth, cultura política na qual o debate é estruturado em grande parte por apelos a emoções desconectadas dos detalhes da política (e verdade) e pela repetida afirmação de pontos de discussão nos quais as refutações factuais são ignoradas. A pós-verdade difere da contestação e falsificação tradicionais de fatos (fake news) ao relegar fatos e opiniões de especialistas como de importância secundária em relação ao apelo à emoção, porta do totalitarismo bolsonarista de perpetuação no poder.

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