Ninguém morre de véspera




Alguns chamam de acaso, outros de destino.
Mas existem outros nomes: sorte, fatalidade, sina. Tem gente que acredita, tem gente que não.

Tanto faz crer ou não.


Seja por qual nome for, esse tema já foi debatido por religiões e culturas, por filósofos, escritores, artistas, de Schopenhauer a Heidegger, de Martin Luther King a Cartola, Clarice Lispector a Shakespeare --para quem nosso destino não está escrito nas estrelas, mas em nós mesmos. Para Guimarães Rosa, ele é estranho, inacabado. “E se eu mudasse meu destino?”, perguntou Caio Fernando Abreu. “Estranho, mas é como se houvesse por trás do livre-arbítrio um roteiro pré-determinado, que não pode ser violado.” Será? Fernando Pessoa vai além. Tudo o que chega, chega por alguma razão.

Será? Quem sabe ...

No Litoral Norte, Alessandro Correia Leite encontrou seu destino de forma improvável no primeiro dia do ano, sentado à frente da sua casa, em Ubatuba, após o café da manhã. Dias antes de fazer 42 anos, ele foi atingido por um helicóptero, obrigado a fazer um pouso forçado. Qual a possibilidade de um pedestre ser a única vítima de um acidente aéreo? Alessandro havia escapado da morte diversas vezes, em acidentes de carro, de barco, em casos de doença. Essa sobrevida valeu um apelido curioso na praia do Tenório: Morto. No dia seguinte ao acidente, muita gente no Tenório se mostrava surpresa: o Morto morreu?

Na política, o Brasil também encontrou com seu destino imediato no primeiro dia do ano, com a posse de Jair Bolsonaro. Acaso? Fatalidade? Sina? 


Anos atrás, Bolsonaro seria o mais improvável dos presidentes. Na prática, o deputado inexpressivo em 28 anos de Câmara Federal soube ler, com rara felicidade, o humor da Nação e  colocou em evidência a face conservadora do Brasil, tantas vezes escondida. Sorte?  Sorte teve ao sobreviver ao atentado de Juiz de Fora, caso ainda envolto em  mistérios. De resto, Bolsonaro e seus apoiadores legitimaram pelo voto uma agenda de direita, virando a chave da social-democracia --linha política que virou sinônimo de palavrão após ter sido desviada para os trilhos da corrupção desenfreada pelo PT e aliados (alguns, por ironia, já alinhados ao novo governo). Fará bem ao país a guinada à direita? Ora, fará bem a alternância de poder, cabendo à sociedade e às instituições o papel de fiscalizar os novos mandatários.

O governo começou sem surpresas, pelo menos para mim que, dele, pouco espero. 

Nem céu de brigadeiro, nem tempestade de granizo, apesar das pedras no caminho no caso de Flávio Bolsonaro. Mas, pelo sim, pelo não, eu --senhor do meu destino, capitão da minha alma-- acho sempre bom consultar a previsão do tempo e olhar para o céu de vez em quando. Mesmo que ninguém morra de véspera ...

Comentários

  1. Muito bom. Sensata e equilibrada análise.

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  2. Esses detalhes do "morto por helicópterocídio" parece coisa da literatura fantástica ou do Dias Gomes. Mas também tem muito de "sucupiresco" nesse novo governo. Tem até um núcleo das irmãs cajazeiras, as carolas pseudo-moralistas adoradoras do Odorico.

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  3. Paciência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Só espero que esse deslumbramento de noviços e esse ímpeto juvenil de alguns que se sentem ungidos para guiar a consciência dos povos e não governantes para governar começe a refluir e tomar contato com o mundo real.

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  4. o Brasil é uma imensa Sucupira, meu amigo.
    e como diz a música, a realidade sabe mais que a imaginação

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