O toucinho que estava aqui



Não é de hoje: políticos e uso do dinheiro público sempre tiveram uma relação complicada. E isso sempre rendeu boas histórias.

No início de minha carreira como repórter de Política, no tempo do guaraná com rolha, o recém-empossado governador Franco Montoro decretou uma política de cortes de despesas para servir de exemplo à gastança que tinha sido a gestão de seu antecessor, Paulo Maluf, à frente do Palácio dos Bandeirantes. Para anunciar o regime de austeridade, Montoro --politico correto, por formação-- caiu na tentação de reunir lideranças do então MDB em um almoço para 80, 100 pessoas no Palácio Boa Vista, em Campos do Jordão, com cardápio e carta de vinhos de fazer inveja ao Fasano ou ao DOM, um dinheirão pago pelos cofres de São Paulo. Um repórter mais atento, Flávio Nery, do “Estadão”, percebeu a ironia e fez um dos textos mais demolidores que li em toda minha carreira, descrevendo item a item o cardápio do almoço da austeridade. Um texto primoroso, mostrando a distância que separa, na política, discurso e prática. O pacote de austeridade de Montoro foi para a cucuia ...

Anos depois, lembrei de Nery, um dos melhores jornalistas que conheço e que tive a sorte de ter como professor quando eu ainda dava os primeiros passos em minha carreira.

Fui cobrir um congresso de vereadores, igual a tantos que ainda existem por aí, e, ao invés de ficar de olho nos debates, travados sempre em salas vazias, para meia-dúzia de gatos pingados, resolvi contar as garrafas de uísque vazias recolhidas dos quartos e das áreas comuns. Eram litros e litros de Red Label e Passaport, lançados nas contas das Câmaras. Esse, em Águas de Lindóia, foi um caso, que deve se repetir à exaustão ainda, infelizmente. Talvez só mude a marca do uísque ...

Esses episódios são, como disse, do tempo do guaraná com rolha. Mas, se o tempo passa, a fixação que muitos políticos têm em enfiar o pé na jaca, não. Não existe barreira. Presidente, Dilma Rousseff desviou um voo official para dar um rolê em Lisboa, com direito a pernoite no luxuoso hotel Ritz, com uma comitiva de 25 pessoas. O que ela fez na capital de Portugal? Esse ainda é um episódio repleto de mistérios e falsos segredos. Há uma semana, o "O Vale" revelou o que chamou de  “farra das viagens” da Câmara de Taubaté, bancada com o dinheiro do contribuinte, em reportagem de Julio Codazzi, editor-executivo do jornal. O caso vai ser investigado pelo Ministério Público. O cerne é o mesmo. Eleitos para o cargo A ou B, muitos políticos agem como se tivessem recebido licença para usufruir de benesses e direitos que não fazem parte do rito da função. Alguns, como Montoro, por inércia (afinal, sempre foi assim). Outros, como os vereadores de Águas de Lindóia, por patifaria mesmo. Mas o pecado é o mesmo: achar que os cofres públicos podem pagar tudo, de um lanchão de 4 quilos, como em Taubaté, a uma diária de hotel R$ 25 mil, no episódio de Dilma.



Podemos reclamar e falar em criar mecanismos que inibam a gastança. 
Aliás, eles já existem. 
Mas, no fim, a culpa é também nossa. Quase sempre votamos e vamos tocar a vida até a próxima eleição, entregando aos políticos a rédea solta da condução do processo. Está errado. Em linhas gerais, não dá para deixar político sozinho. Nem os bons, quanto mais os maus. 

Este artigo foi publicado originalmente no jornal "O Vale"

Comentários

  1. Os vereadores de São Jose dos Campos trocam votos em aprovação de novos impostos e taxas por cargos comissionados,eleitos para fiscalizarem os recursos públicos se omitem,isso também é corrupção.Os gastos com amigos e contratos desnecessários são uma abominação e a sociedade calada assiste e aplaude.Eles temem a apuração a divulgação as criticas.Chega de tantos maus políticos atuando em beneficio próprio que se tornando bajuladores do Executivo,triste. Podemos mudar com o voto esta lamentável historia.

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