Sigamos de mãos pensas




por Marcos Meirelles


A "Máquina do Mundo" é considerada por muitos o maior poema brasileiro. Drummond reinventou Camões e uma das passagens mais memoráveis dos Lusíadas, quando Vasco da Gama, retornando da Índia, alcança a glória do acesso ao poder do conhecimento.
Drummond deixa de lado a epopéia e leva a máquina do mundo para as estradas pedregosas de Minas. Seu leitmotiv é o ordenamento da existência sob o prisma do ceticismo. E seus versos finais entregam um poeta ensimesmado, com pouca esperança em dias melhores e quase nenhuma fé na humanidade.
“A treva mais estrita já pousara sobre a estrada de Minas, pedregosa, e a máquina do mundo, repelida, se foi miudamente recompondo, enquanto eu, avaliando o que perdera, seguia vagaroso, de mãos pensas."
A máquina do mundo é cruel. Ela remonta ao mito de Sísifo e ao castigo imposto ao filho rebelde de um rei pelos pelos deuses gregos –enviado ao Hades e condenado a rolar uma pedra de mármore com suas mãos até o cume da montanha e voltar a exercer a mesma tarefa toda vez que a pedra caia abismo abaixo.  A celebração do absurdo será a quintessência da humanidade? Foi assim que Camus enxergou a existência em dos seus ensaios mais pessimistas.
O contraponto ao determinismo e à opressão dos deuses é a celebração do acaso. A filosofia da natureza, inspirada nos gregos Epicuro e Demócrito e no romano Lucrécio, sustenta que a necessidade se confundiu com o ser e que é preciso resgatar o acaso constituinte (hasard, em francês).  Neste contexto, o trágico do não-ser opõe-se à tristeza do ser. “É preciso partir e viver, ou ficar ou morrer”, diz Romeu a Julieta.
Viver é muito perigoso, especialmente se nãos nos prendemos ao medo da fúria dos deuses, às convenções impostas pelas necessidades dos homens e à mesmice torta e calhorda da manada.
Da filosofia para a história, não são poucos os momentos em que a lógica da manada triunfa. A cada época e em diferentes espaços territoriais, a necessidade dos homens, irmanados em dogmas, naturaliza e legitima celebrações do absurdo.
Se a manada continuar se impondo, as circunstâncias podem se tornar ainda piores. Mas a história, não aquela inspirada nos deuses, não se curva às circunstâncias.
Marcos Meirelles é jornalista.
Este artigo foi publicado originalmente na edição deste final de semana do jornal "O Vale"

Comentários

  1. ...alguém já disse que a consciência é uma m.... ou coisa parecida!Então é preciso "Partir e viver...". Mas isso é só uma opinião.

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