Carlinhos & ora-pro-nóbis



Carlinhos Almeida gosta de música.

Na campanha de 2012, quando as pesquisas já apontava uma dianteira dele sobre Alexandre Blanco (PSDB) na disputa pela Prefeitura de São José dos Campos, ele usou um verso de um clássico de Walter Franco para explicar seu estado de espírito frente a uma possível vitória nas urnas e as pressões de um eventual governo. "Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo", disse, citando a letra de "Coração Tranquilo", que voltara a ser sucesso pela voz de Fernanda Takai, do Pato Fu.

Na entrevista da semana passada, Carlinhos voltou a buscar na música uma expressão direta de seu estado de espírito. Pulou de Walter Franco a Mercedes Sosa, La Negra, conhecida pela voz potente e cálida, e por ter dado voz a tanta gente sem voz nas ditaduras que marcaram a América Latina nos anos 60 e 70. "Se eu tiver que me definir musicalmente, neste momento, eu usaria aquela música da Mercedes Sosa, “Solo pido a Dios”, disse. cantarolando um trecho.

Nesse trecho final da entrevista, Carlinhos fala sobre sua rotina longe dos cargos públicos, sobre seu futuro e sobre uma paixão: plantar.


Como é a rotina do Carlinhos bancário?

Eu saio de casa, venho para a Caixa, cumpro minha jornada de bancário, direto, jornada de bancário é de seis horas, sem aquela hora de almoço. E aí aproveito o período da tarde para ler, estudar, resolver problemas do dia a dia e plantar, que é uma coisa que eu gosto muito de fazer.

O que você está plantando? E o que você está estudando?

Eu tenho lido, na verdade, livros didáticos, de História, e estou fazendo um curso de espanhol on-line. Então eu tenho lido textos em espanhol que eu pego na Internet. E o que eu gosto de plantar? Eu tenho muita coisa plantada no meu quintal: jiló, pepino, raiz forte, limão, chicória, couve, alecrim, manjericão. Eu mesmo fico impressionado com a variedade de espécies que eu consegui plantar. Esses dias eu estava medindo, acho que tenho 40 a 50 metros quadrados de terreno permeável, terra. É uma coisa que eu gosto.

Duas coisas surpreenderam as pessoas inicialmente. Primeiro, você ter voltado para a Caixa. Outra, essa barba ...

Deu vontade, não tem relevância nenhuma ...

Então vamos falar de caminhos. Você construiu uma carreira política, vereador, deputado, prefeito. E agora? Qual o futuro do político Carlinhos?

Eu estou cada vez mais próximo dessa faixa mais larga do círculo, cada vez menos estimulado a participar do núcleo deste círculo.
Estou tirando um momento de reorganização da minha vida, de reflexão, sobre a minha trajetória, sobre o país, sobre a vida. Não tenho nenhum cronograma para concluir isso. Digo que hoje não sinto vontade nem disposição de disputar eleições. Minha disposição hoje é atuar muito mais em torno da defesa da cidadania.

Para onde isso leva?

Estou refletindo sobre tudo isso, mas o campo que me atrai hoje não é o campo da política partidária, eleitoral. O que me atrai hoje é o da visão mais ampla da política. Por exemplo, você tem hoje um acirramento de violências que já estavam superadas, como a questão do preconceito. Hoje você vê um certo reavivamento de forças de extrema direita. Esse debate precisa ser feito. Precisa ser feito, obviamente, pelos partidos políticos, que são importantes, pelos parlamentares, pelos mandatários do Executivo, mas tem que ser feito, principalmente, pela sociedade como um todo.

Você admite deixar o PT? Se você estivesse fora do PT em 2016, o resultado da eleição poderia ter sido menos duro?

Não sei, eu estou em um momento de reflexão e estou bastante aberto nessa reflexão.  Não existe roteiro traçado, nem meta objetiva definida.

No calendário político, setembro é o prazo final para troca de legendas em vistas às eleições de 2018.

Minha prioridade hoje não é o calendário político.

Em 2016, houve um rumor sobre sua mudança do PT para o PSD do ex-prefeito Gilberto Kassab. Se você estivesse em outro partido teria mais sorte na eleição?

Não sei, mas acho que não seria ético. Dentro da minha trajetória, por estar no cumprimento de um mandato, seria visto como uma manobra. Mas não resta dúvida, o PT foi o maior atingido por esta crise que a gente está vivendo.

Qual o caminho para encerrar essa crise geral que assola o país? Até onde vai esse impasse político?

Nós entramos em uma crise que tem alguns componentes. Um componente econômico que é inegável, com o país batendo 14 milhões de desempregados. Nada é pior do ponto de vista social que o desemprego. E o atual governo acho que erra ao priorizar reformas que diminuem as garantias dos trabalhadores. Sou da opinião de que é preciso fazer a reforma da Previdência, precisa modernizar a legislação trabalhista, mas primeiro isso tem que ser feito como um pacto social, que envolva empresários, trabalhadores e a sociedade. Está sendo feito de forma muito unilateral.

Essa situação de crise econômica se associa a uma crise de falta de legitimidade na política. A população vê com desconfiança, há uma certa impaciência, que é legítima. E, por outro lado, há uma enorme dificuldade de se criar consensos a nível nacional para o pais trilhar alguns caminhos. Por exemplo, é preciso haver uma reforma política? Sim, é necessário haver uma reforma política, como uma das formas de sair do lugar onde estamos. Mas você enxerga clima para isso hoje no país? Pelo contrario. Em todos os lugares se risca faca.

Até nos episódios do funeral da Dona Marisa, a imprensa noticiou uma conversa de Lula com Temer, me chama lá, vamos conversar. Era uma esperança, duas figuras importantes dialogando. Mas isso ocorreu?

Essas três coisas não de me deixam otimista. E é lógico que essa crise da economia tem esse componente social terrível,  que é o desemprego. Mas a crise política, essa impossibilidade de criar caminhos, consensos, torna até mesmo uma solução para a crise econômica mais difícil.

A solução da crise passa pela eleição de 2018?

Sem dúvida nenhuma, uma solução ajuda a construir a legitimidade. Desde que o Brasil retorne a uma coisa que ele já teve, que era um pacto de respeito aos resultados eleitorais. O PSDB fez um movimento pós-reeleição da Dilma (Rousseff) de questionar a legitimidade do processo eleitoral. Esse é um elemento que acirrou essa crise política que nós estamos vivendo hoje.

Momentos de polarização podem gerar o surgimento de figuras alternativas na política. Algumas pesquisas apontam Jair Bolsonaro e João Doria na lista dos novos presidenciáveis.  O que você acha do fenômeno Doria em São Paulo?

(Pausa) Olha, eu acho o seguinte: o importante neste momento é que haja regras claras e que as pessoas respeitem essas regras. Isso é que dá legitimidade à democracia. 

Se a maioria da população de São José decidiu que o Felício é o prefeito e não eu, eu tenho que aceitar isso com naturalidade. Independente de quem seja o presidente do Brasil, eu vou ser sempre brasileiro e vou continuar torcendo para que o Brasil dê certo, que melhore.
Eu não torço pelo fiasco do Temer. Não tem adiantado muito a nossa torcida, mas eu não torço. Eu gostaria que ele tivesse conseguido fazer uma certa transição. Mas acho que tem um erro fundamental nisso aí, com o Brasil batendo recorde de desemprego e você vai discutir contrato temporário de trabalho de 9 meses. Em um momento de desemprego você faz uma Reforma da Previdência estabelecendo idade mínima e aumentando tempo de contribuição. Você tem categorias vulneráveis. Fico imaginando o pessoal da construção civil olhando essa combinação de reforma trabalhista e previdenciária.


Voltando ao Carlinhos que cuida da horta, o que você planta? Essa é uma atividade boa, eu tenho coisas plantadas em casa ...

Você tem ora-pro-nóbis? Eu tenho, se você quiser eu te dou. Eu conheci lá em Diamantina, fui procurar para comprar e me falaram que não tem, cada um tem o seu em casa. Consegui uma muda com meu cunhado, plantei e fui estudar o ora-pro-nóbis. É altamente nutritivo, tem muita proteína, minerais e tem uma coisa ... Aquela baba dele é muito boa para intestino, como digestivo. Você só conhece ora-pro-nóbis com frango, né? (risos).

Que forma de atuação política você vislumbra hoje? Para onde o Norte está apontando, Carlinhos?

Estou neste período de descompressão política e o Norte está, neste momento, apontado para dentro. É um momento de reflexão, de reorganização. Porque a política partidária e eleitoral não é o principal objetivo da minha vida. O principal objetivo é construir a minha felicidade, mas viver em uma sociedade em que as pessoas sejam mais felizes. Uma sociedade mais justa, mais democrática, mais solidária.

Mas isso requer uma atuação política ...

Há no mundo moderno uma infinidade de formas de atuação política. Você pega, por exemplo, o papa Francisco, é uma pessoa que, alem de ser um líder religioso, tem um papel social enorme nesse debate de valores, conceitos, gestos. Ele não é só um líder religioso, como Gandhi, por exemplo. Assim é a pessoa que participa de uma entidade, de um movimento social, que dá atenção aos outros. Como falei, não tenho objetivo traçado neste momento, muito menos caminho.

Está tocando a vida?

Nunca vou deixar de ser uma pessoa que tem uma visão sobre a sociedade e que quer dar a sua contribuição.  Se eu tiver que me definir musicalmente, neste momento, eu usaria aquela música da Mercedes Sosa, “Solo pido a Dios”. Conhece? (Cantarola ...) "Solo le pido a Dios, que o injusto no me sea indiferente" ...
No Youtube tem uma versão em que ela canta com a Gal Costa, Chico Buarque, Caetano Veloso e Milton Nascimento. É um vídeo antigo, com ela no centro, com aquela aura, ao lado de um Chico novinho, Milton Nascimento magrinho ...


É isso aí.
Com isso acaba a entrevista com Carlinhos Almeida, a primeira entrevista mais longa e analítica dada pelo ex-prefeito após ele ter deixado o cargo. Algumas informações paralelas da entrevista e algumas repercussões vão aparecer em notas, mais tarde. Obrigado pela paciência, fui ...






Comentários

  1. Uma entrevista onde conseguimos ver o Carlinhos de verdade. Convivi perto dele estes últimos quatro anos e posso afirmar que este é seu perfil.Sensível as causas sociais,ao meio ambiente e muito verdadeiro em seus rumos.
    Precisamos mante-lo como político atuante pois este perfil é muito raros neste meio.

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