Carlinhos: o desmonte

Carlinhos no Paço

Quando deixou o cargo de prefeito de São José dos Campos, no início de janeiro, após uma derrota acachapante nas urnas, Carlinhos Almeida (PT) mudou seu facebook. No lugar de prefeito, postou a frase: Eu sou o Carlinhos Almeida, "eu sou apenas um rapaz latino-americano". Deste então, ele tem evitado falar de política. Voltou a ser funcionário da Caixa Econômica Federal, deixou crescer a barba e pouco, ou quase nada, comenta sobre o governo de seu sucessor, Felício Ramuth (PSDB).

Esta é a primeira entrevista mais longa de Carlinhos.

Ela será publicada em três partes, para ser fiel ao pensamento do entrevistado. Nesta primeira parte, Carlinhos fala, pela primeira vez, sobre a gestão de Felício, critica a descontinuidade de alguns programas de seu governo, como o Escola Interativa, e analisa erros e acertos de seu governo. A segunda parte da entrevista vai tratar das "pedras no sapato" de Carlinhos --a perda de seus direitos políticos, determinada pela Justiça, e a citação de seu nome no caso Lava Jato. Na terceira, os projetos pessoais de Carlinhos, sem mandato pela primeira vez em quase 30 anos.

Boa leitura.



Carlinhos, boa tarde, obrigado pela entrevista. Vamos começar a falar de política: que balanço vocês faz dos quatro primeiros meses de mandato de seu sucessor, Felício Ramuth (PSDB)?

Quando deixei o cargo, disse, e os jornais registraram, que não seria um ex-prefeito de oposição, que ficaria dando palpite no governo de quem me sucedeu. Por isso, vou falar apenas de um ponto. 

Sempre trabalhei com a idéia de que você pode ter um programa, como eu tinha um programa, que em muitos pontos se diferenciava dos tucanos, mas você precisa ter uma continuidade administrativa. Porque? Porque a vida das pessoas não acontece de quatro em quatro anos. A vida das pessoas continua. A criança entrou na escola quando eu era prefeito, vai passar pelo Felício e às vezes até por um próximo prefeito.

Então, a única coisa que eu falaria sobre a atual gestão é que eu tenho uma visão diferente sobre a continuidade administrativa. Eu acho que não é um bom caminho o caminho de você interromper projetos, de paralisar obras, de tentar desconstruir marcas anteriores. Acho que a população perde com isso.

Você agiu diferente?

Você é testemunha –até o Marcos Meirelles fez um comentário (em artigo no jornal "O Vale", republicado pelo blog)-- sobre a forma como eu atuei no Vicentina Aranha e no Parque Tecnológico. Estou dando dois exemplos, de coisas fortes, que foram iniciadas pelo meu antecessor e que eu, em nenhum momento, eu cogitei enfraquecer. Aliás, neste dois casos eu mantive inclusive os gestores, a Ângela (Tornelli) do Vicentina Aranha e o (Marco Antonio) Raupp do Parque Tecnológico.

Agora,  em relação ao atual prefeito, eu apenas torço para que ele faça o melhor pela cidade. Acho que a cidade merece e precisa, principalmente em razão do momento em que estamos vivendo –e eu acho que não existe muita diferença entre o momento que eu passei e o momento atual, de crise política, de situação econômica do país, situação difícil das administrações--, mas também em relação ao momento da vida e da história de São José.

Diversos projetos e obras deixadas pelo seu governo foram colocados em xeque pela atual administração. O fim de algum deles foi mais duro para você?

Eu acho que é ruim para a cidade, por exemplo, não ter a continuidade da Escola Interativa e de todo conceito que está por trás da Escola Interativa na Educação. É o conceito de modernizar a escola, torná-la mais atraente e agradável, e, ao mesmo tempo, instrumentalizar os alunos para esta nova economia que cada vez mais se consolida, em que a tecnologia tem papel fundamental, onde a pesquisa e o conhecimento científico têm uma posição central. A Escola Interativa, junto com o Centro de Ciências, estava tudo voltado a uma modernização da escola, na qual São José deveria ser pioneira. Afinal, (São José) é a capital da tecnologia.

Uma das críticas sobre a Escola Interativa se baseia no número de tablets quebrados, encontrados no Almoxarifado da Educação e no custo do programa.

Olha, o projeto começou em 2014 e nós estamos em 2017, três anos. Equipamentos eletrônicos utilizados por crianças e por adolescentes, muitas vezes com uso intensivo, é normal que tenha um desgaste desse material. Mas a questão para mim não é o equipamento em si, a infra-estrutura sobretudo, mas o conceito. Nós criamos o LEDI (Laboratório de Educação Digital e Interativa), que foi desestruturado, que é um espaço onde os professores, os educadores, junto com técnicos, com o pessoal da universidade, formularam, formaram, avaliaram, durante todo o período, a Escola Interativa.

Não sei se você chegou a conhecer o LEDI? Ali era um espaço onde o professor que dava aula no Campo dos Alemães convivia com o aluno ou professor da Universidade de São Paulo, com o pesquisador do Instituto RenatoArcher, com empresas que estão incubadas no Parque Tecnológico, com a FundaçãoLemann, desenvolvendo ali conteúdos, fazendo capacitação, trocando idéias. Isso é o que é o mais importante na Escola Interativa.

A Escola Interativa foi implantada em São José de maneira ousada, estruturada, articulada. Uma cidade que não tem a mesma condição (financeira) pode aplicar o conceito. O que eu vejo sendo desmontado é o conceito.

Você teve uma carreira ascendente no Legislativo, mas, no Executivo, você teve um mandato de quatro anos e acabou não se reelegendo.  Aliás, seu adversário teve uma vitória expressiva, com 62% dos votos. Qual foi a diferença entre esses dois desempenhos, no Legislativo e no Executivo?

Eu vivi um momento muito difícil na prefeitura, financeiramente. A cada mês, a cada ano, só notícias ruins em relação à arrecadação, à receita da prefeitura. 

Também a gente viveu uma crise política, que abateu, de forma mais pesada, o PT. Embora a crise política tenha atingido todos ... Você vê aqui no Vale: o PSDB perdeu a Prefeitura de Caçapava, com o prefeito candidato à reeleição, perdeu a Prefeitura de Guaratinguetá, com o prefeito candidato à reeleição, perdeu Caraguatatuba, onde o Antonio Carlos tem uma liderança em várias gestões. Então, esse mau humor político no Brasil atingiu todas as administrações, mas, particularmente, as administrações do PT.

A gente tinha pesquisas que mostravam a administração como boa, mas com essa indisposição política. Eu acho que é um direito do eleitor votar pelo motivo que ele achar que deve votar. A mim só resta respeitar essa decisão e tocar normalmente a minha vida.

Que balanço você faz dos quatro anos de seu governo. Onde o governo Carlinhos acertou e onde o governo Carlinhos errou?

O maior desafio em que conseguimos avançar pouco foi o desenvolvimento econômico. E, provavelmente, não houve sensibilidade de alguns atores políticos e da sociedade. 

A gente poderia ter articulado melhor esse processo da retomada do desenvolvimento econômico de São José. Eu tenho um diagnóstico, e tenho ainda, muito claro, de que São José precisa se radicalizar como uma cidade de serviços. Para isso ela precisa modernizar a legislação, mudar uma cultura, que é de predominância ainda muito industrial. Para fazer essa mudança, você precisa fazer um acordo, um pacto na sociedade e na vida política. Nós não conseguimos avançar nisso. Você veja na Lei de Zoneamento, fizemos algumas mudanças pontuais no início do governo, que tiveram algum efeito na economia, mas a mudança maior nós não conseguimos fazer.  A forma como foi recebido o WTC ...
Acho que acho que a gente poderia ter dialogado melhor com essas forças (empresários e políticos), mas principalmente com a sociedade.

Onde esse diálogo falhou?

Nós dialogamos, mas, talvez, não tenhamos conseguido sensibilizar as pessoas. Mas isso está ligado também a esse momento político que a gente viveu. Agora, acho que nós avançamos bastante no sentido de construir uma cidade mais inclusiva, com investimentos na Educação e na Saúde, com bons investimentos na Habitação e regularização.

Você disse que não quer fazer oposição. Agora, como o cidadão Carlinhos avalia essa largada do governo Felício Ramuth?

Eu já te disse, como cidadão, que você tem que ter uma visão de continuidade administrativa. Você fechar um parque como o Alberto Simões, você parar um projeto como a Estação Ciência, não é bom. Essa não foi uma diretriz minha ...

(Vocês querem mais um café? pergunta a garçonete)

Até porque, se você pega o Parque Tecnológico e o Vicentina, como disse, nos investimentos nesses projetos. O Parque Tecnológico era um loteamento irregular. Nós regularizamos, nos construímos novos espaços lá dentro, o Centro Empresarial, fizemos os editais necessários. No Vicentina Aranha, os prédios restaurados lá foram restaurados na nossa gestão. Mas isso, como eu disse, é a única coisa que eu vou falar sobre a atual gestão. Eu acho que esse não é um bom caminho.

Voltando para a eleição de 2016, a candidatura de Felício Ramuth foi menosprezada pelo PT? Teve gente do PT que comemorou a indicação dele como candidato contra você ...

De jeito nenhum. A gente sabia da força que o PSDB tem em São José. Recorde-se que eu venci as eleições, em primeiro turno, é fato, mas com quase 51% dos votos válidos e meu adversário (Alexandre Blanco), que teve um bom desempenho na campanha, teve 43% dos votos. O PSDB tem uma força na cidade, tem lideranças como Emanuel e Cury, que tem força. Eu nunca subestimei.

Você esperava tamanho desmonte de seu governo?

Não esperava não. Isso eu não esperava. Algumas coisas é natural que se mude em uma nova visão de mundo, uma nova visão de cidadão. Mas, por exemplo, o programa Escola Interativa não tem nada de ofensivo ideologicamente aos tucanos. A necessidade de formar bem as crianças para o mundo da tecnologia não tem ideologia. A Coréia investe pesado na Educação e Cuba investe pesado na Educação.

Você mexeu no programa Decolar, considerado uma das vitrines do governo Eduardo Cury na área da Educação. Não é a mesma coisa?

Nao dá para comparar. O conceito do Decolar, que era para um grupo de alunos, nos trabalhamos o Escola Interativa para toda a rede. Há uma diferença de conceito muito relevante. E, veja, quando se fala do Escola Interativa, eu orientava nosso pessoal de Comunicação, não se pode focar no equipamento, no hardware, no tablet. É o conceito. 

Você sabe o que a gente estava fazendo no Escola Interativa? Estava fazendo oficinas de programação de computação. Estávamos pegando crianças de 10, 12, 14 anos, junto com o pessoal do Renato Archer, de Campinas, e dando as primeiras noções de programação para estas crianças. Imersão, realidade virtual, junto com o Parque Tecnológico, as universidade. A infra-estrutura estava dentro de uma nova dinâmica dentro da escola. Se você conversar com professores e diretores, você vai encontrar uma critica pontual sobre um aspecto ou outro, mas, no conjunto, a gente teve vários depoimentos de que mudou a dinâmica da escola.

E os tablets quebrados? O programa teve falhas em sua formatação?

O programa foi formatado, com pesquisas, estudos. E o programa foi adaptado, criamos o LEDI, esse cérebro dentro das escolas, com uma assistência help-desk, até uma formulação, reflexão. E até o uso do tablet, que, inicialmente, trabalhamos com a ideia de que cada criança deveria ter um tablet, levar para casa etc. Na prática, a experiência demonstrou que muitas crianças não levavam o tablet depois para a escola. O professor queria fazer atividades com o tablet e não conseguia. Nós alteramos isso ao longo do programa. Ao final, a gente passou a não mais distribuir o tablet por criança, mas sim ter o tablet na escola, como equipamento pedagógico.



Leia Mais:Daqui a pouco, a segunda parte da entrevista com Carlinhos Almeida. Nela, ele fala sobre a perda de seus direitos políticos, a citação de seu nome na Lava-Jato e de problemas em seu governo



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