O Brasil vai ao Paraíso?

Foi um rio que passou em minha vida ...

por Marcos Meirelles

O triunfo da Portela no Carnaval do Rio foi um sopro de alegria num país mergulhado em pessimismo e na negação de si mesmo. O triunfo de um samba-enredo que colocou o dedo na ferida na destruição do Rio Doce foi uma demonstração de que, mesmo nos momentos de exaltação da beleza, é possível enxergar além do espelho.

A Portela é minha escola do coração. 

Sofri durante anos com sua sina de agremiação presa ao passado de glórias, devorada pela concorrência predatória dos patrocínios bilionários emprestados às escolas de verniz novo-rico. Enquanto  Beija-Flor e quejandos desfilavam a perfeição na avenida, o samba da Portela sucumbia ao menosprezo dos jurados da Liesa.

Amamos a perfeição, o que torna compreensível a apologia aos desfiles de Carnaval impecáveis durante tantos anos. E, no entanto, somos, todos, maravilhosamente imperfeitos.

Nós, brasileiros, vivemos de eternas visões do paraíso. Sérgio Buarque de Holanda já havia apontado, com maestria, essa distorção histórica do nosso processo de colonização.
Quando vivemos momentos de intensas frustrações econômicas e políticas, alimentamos miragens do paraíso, aqui um passado de glórias que o país nunca viveu, acolá um futuro desprovido de diferenças entre as pessoas, uma gigantesca comunidade de amigos do Facebook ou um supergrupo de whatsapp. Sua verdade triunfará, eis o décimo primeiro mandamento.

Então, cada um defende sua verdade absoluta segundo valores absolutamente distorcidos pela incapacidade de entender que toda a visão do paraíso é necessariamente parcial.
Em matéria de política, especialmente, parecemos fadados ao triunfalismo pós-hegeliano que levou a Alemanha em escombros aos braços dos nazistas.

A família, os bons costumes, o combate à bandidagem e à corrupção, todas as bandeiras se prestam ao discurso dos que acreditam que chegou a hora da Pátria Amada cumprir seu destino de Nação do Futuro.
A marola dos supostamente “apolíticos”, com seus prefeitos almofadinhas espalhados de norte a sul do país, pode virar um tsunami de consequências arrasadoras para um país tão díspar e desigual como o Brasil.

Quem poderia oferecer um contrapeso a esse discurso, fornecendo uma visão mais equilibrada da realidade, seria a imprensa. No Brasil, no entanto, os coleguinhas seguem inebriados pelo ibope das assustadoras descrições do inferno. É preciso ter sempre um vilão à disposição.

Quando a amada de Dante alertava que o Paraíso não estava apenas em seus olhos pretendia que o herói compreendesse que, mesmo nos mais rudes e inóspitos terrenos, era possível encontrar alguma beleza. Mas o herói se recusava a enxergar qualquer vestígio de humanidade nos reis e bispos decaídos e não via qualquer sinal de esperança senão ser alçado, miraculosamente, até o Paraíso.

Até que um dia ele subiu pela boca da caverna e foi possível espiar as coisas belas que giram pelo céu. “E então saímos, finalmente, para ver as estrelas.”

Marcos Meirelles é jornalista, flamenguista e apaixonado pela Portela. Este artigo saiu originalmente na edição do jornal "O Vale" deste final de semana

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