Um dia muito especial

Filho & pai

Hoje é um dia muito feliz para mim.
Motivo: 30 de janeiro é a data de nascimento de meu filho Guilhermo, uma das pessoas que mais amo na vida.
A cada lembrança dele, meu coração transborda de carinho.

Feita essa declaração, tenho que admitir: é também o filho que mais diverge e briga comigo. Acho que a razão é uma só: nós dois somos muito, mas muito parecidos, feitos, quase sempre, de puro sentimento.
É 8 ou 80, para o infinito e além, tudo preto no branco, sem muito espaço para o lusco-fusco. É sim, sim; não, não ...

Mas eu estou em sua vida desde o início e ele está na minha desde então.

Nascido Mário (a fita do  berçário é prova incontestável disso), virou Guilhermo por uma arte minha, fã de carteirinha de Guillermo Cabrera Infante, um dos principais escritores cubanos contemporâneas, autor de clássicos como “Três Tristes Tigres” e “Havana para um Infante Defunto”, apenas para citar dois. Para minha sorte, Guillermo, com dois “éles”, é o nome de seu avô materno.
No Cartório, o duplo “éle” virou “éle-agá”, dando ao meu filho uma identidade toda própria desde pequeninho.

Ele é jornalista como eu, apaixonado por livros como eu (além de ser autor de dois, um de contos, outro de poesia), fã dos Beatles e de café como eu, corintiano como eu. Sua mãe diz que ele anda e até espirra como eu. Acho que isso é exagero, mas vai saber ...

Desconfiei que ele seria jornalista tempos atrás, quando, ao chegar em casa tarde da noite, vindo do fechamento da edição da “Folha”, encontrei meu filho acordado, esperando para conversar comigo. Ele tinha uns 7, 8 anos. Ao redor da mesa de um lanche tardio, perguntei o que era tão importante. “Pai, o que você acha da guerra da Bósnia?”, disparou ele, me olhando com seus olhos até hoje grandes e profundos, preocupado com o mundo que tinha visto no jornal da TV. Não me recordo do que respondi, mas sei que conversamos por um bom tempo. Depois, ele foi dormir tendo entendido melhor o mundo em que vivia.

Anos mais tarde, Guilhermo foi estagiário do jornal em que eu era editor.
Não foi fácil para ele. 
Embora fosse talentoso, foi o último estagiário de sua safra a ser contratado e o último a ter aumento de salário. Aliás, merecido. Tudo o que ele conquistou foi pela sua capacidade de trabalho, nunca pelo pai-patrão. Fui duro com ele para que não parecesse nunca que ele precisasse de proteção. Não sei foi certo ou errado, foi assim. Divergimos, brigamos, fizemos as pazes, trabalhamos juntos por muitos anos.

Hoje, Guilhermo ocupa um cargo que exerci por anos a fio, o de editor-chefe do jornal “O Vale”. Chegou lá por seus méritos.

Falamos pouco sobre trabalho. Mantenho uma distância salutar para que ele construa sua história à frente da Redação de um jornal, como eu, por mais de 30 anos, construí a minha. Ele tem a sua cabeça, suas manias, suas opções editoriais, suas crenças e convicções. Eu tenho as minhas. E a bola está com ele. E sou seu fã numero 1, ao lado de um batalhão de gente que pensa o mesmo, da mulher, Daniela Borges, ao irmão e maior amigo Julio Codazzi, passando pela mãe, Adriana.

Para mim, ele é homem adulto, dono do seu nariz.

Mas sei, com a experiência dos anos, que esse homem adulto, de cabelos encaracolados e em desalinho, não nasceu assim. Ele é o herdeiro do estudante cabeludo que foi de bermuda na formatura do curso de Jornalismo da Universidade de Taubaté. Ele é o “foca” que ficava até tarde na Redação na esperança de cair no seu colo uma matéria fora de hora que virasse a manchete do jornal do dia seguinte. Ele é aquele garoto abusado que me meteu um vão de perna em uma pelada disputava no campo de terra da casa de família em Piraju, na viagem em que descobriu, maravilhado, que peixe era tão bom quanto chocolate, para diversão de seu avô, Hélcio, como eu.

Enfim, o homem de hoje é herdeiro do menino que nasceu Mário e virou Guilhermo graças a “Três Tristes Tigres” e a um escritor cubano que rompeu com Fidel , se isolou em Bruxelas até morrer poucos anos atrás e sobre o qual a maioria das pessoas nunca ouviu falar.  Nós somos construídos a partir das pessoas que fomos ao longo da vida. E eu estou em sua vida desde o início. E ele está na minha desde então.


Por tudo isso, neste 30 de janeiro, feliz aniversário, Guilhermo.  Com amor, do seu pai, Hélcio ...

Comentários

  1. Poucas vezes li uma declaração de pai tão fria, calculista, de um jornalista que está escrevendo a vida de uma personagem qualquer, a pedido do editor.
    Ao mesmo tempo, um texto cheio de ternura e manifestação pública de amor a um filho novo (mas tão maduro).
    Hélcio, parabéns por colocar pra fora esse orgulho que você tem de um dos seus filhos. Fiquei emocionado da singeleza e também pelo texto leve, gostoso de se ler.
    Acho que não consegui escrever nem metade do que senti ao ler essa crônica cheia de poesia de um pai orgulhoso.
    #Prontoescrevi

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  2. Na primeira linha acrescente: "que parecia tão... "

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  3. Luiz, caro amigo, eu só deixei o coração fluir.
    tenho orgulho de todos os meus filhos, cada um tão diferente do outro, tão especial.
    ficou feliz por ter gostado do texto. abraço

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  4. Essa coisa de filhos serem diferentes um do outro me intriga! E é verdade, pois tenho cinco e vejo muito pouca semelhança entre eles. A individualidade deve ser respeitada, sempre. O amor que a gente sente por eles é o mesmo, muda um pouco as afinidades, os gostos etc.

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  5. essa é a graça da coisa, Luiz, deixa a vida cada vez mais interessante

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