Política com P maiúsculo


por Emanuel Fernandes

É senso comum associar-se a política à atividade eleitoral visando obter o comando dos cargos executivos e legislativos nas três esferas: federal, estadual e municipal. Nesse sentido, política é sinônimo de disputa pelo poder. Até mesmo entre os agentes da política essa identidade da política com a ocupação de cargos tem se tornado muito forte. 

Diz-se: "Quando a gente tomar o poder nós faremos isso e aquilo" ou então "Não podemos fazer nada, pois não temos o poder na mão". 


Até mesmo no parlamento pude constatar isso. Quando criticava o governo procurando mostrar que situação econômica ia dar no que deu, o então líder do governo rebatia na tribuna dizendo que o que eu estava fazendo era "disputa política", no sentido de que eu só queria desgastar o governo para ganharmos eleições vindouras.


Eu até concordo que a identidade entre política e disputa pela ocupação de cargos condiz com boa parte do problema público. Afinal, nossa carga tributária é de mais de 35% do PIB e sua gestão influencia fortemente nossas vidas (tanto dos que pagam quanto dos que recebem). Porém, acredito que essa identidade está se tornando demasiadamente forte. Política não é só esse Fla-Flu das disputas eleitorais e do jogo situação versus oposição.


Essa disputa certamente propicia a alternância do poder, o que é bom. Mas induz ao salvador da pátria e ao endeusamento do governo. Além disso, elas tendem à divisão do país entre nós-e-eles, ao jogo de soma zero e à negligência com a relação ao futuro. Tenho alertado que o país perdeu roteiro exatamente por causa desses, entre outros fatores. Há ditado popular que diz que "em casa que falta pão, todos brigam e ninguém (ou todos) têm razão".

Estamos chegando nesse ponto e para sair disso precisamos de... política! 


A política deve ser sair dessa circularidade propiciada por essa "briga eleitoral". A política também tem instrumentos de poder fora dos poderes do Estado e o principal deles é poder do convencimento. Esse poder é propiciado porque há pessoas que convencem (os líderes) e há pessoas convencíveis (todos que não são radicais fundamentalistas). Estamos em falta dos primeiros, os líderes, por uma série de fatores Aprofundar-me-ei nos convencíveis. 

Todos temos nossas preferências a todo instante de tempo.

Algumas são mais arraigadas às nossas crenças e valores, outras são mais flexíveis. Porém, creio que todas são ligadas às nossas emoções e à dinâmica de prevalência entre elas. Como ponderou Nietzsche, "a vontade de superar um afeto nada mais é que a vontade de um outro ou de vários outros afetos". Assim, somos convencíveis, pois essa "disputa" entre eles varia no espaço e no tempo. Parafraseando o ex-ministro Eduardo Portela, nós estamos, nós não somos. Estou convencido de que os grandes líderes são aqueles capazes de estimular uma base comum para o "ordenamento" entre os afetos relativos ao campo de sua liderança (no caso, a política). Para tanto, os líderes devem ter o diagnóstico e o prognóstico apropriados dos problemas que estamos enfrentando no Brasil (o tal roteiro).


Temos que mostrar/convencer que esse jogo de perde e ganha vai nos levar a um país medíocre onde todos perdem e que deveríamos nos concentrar no ganha-ganha. Ou seja, construir maiorias em cima do que nos une e nos divide. Além disso, temos que mostrar/convencer que sonho de futuro sem esforço vira pesadelo.


O convencimento passa por afetos profundos que necessitam excitar a confiança interna das pessoas. E a confiança das pessoas somente é alcançada se for confiável para uma grande maioria. Para tanto, é fundamental a construção política fora dos muros partidários e do período eleitoral. O Brasil precisa de roteiro que nos dê base viável para o debate saudável entre partidos e tendências, sobre as grandes questões que tensionam as pessoas e seus afetos. Do jeito que estamos indo, reduziremos a política à procura do "bom gerente"; eficiente e honesto. Esse filme nós já vimos.

Viver não é determinístico. 
Viver é uma tensão (de atração e oposição) constante no espaço e no tempo, uma tensão influenciando a outra. Viver demanda política com P maiúsculo.


Emanuel Fernandes é ex-prefeito de São José dos Campos e ex-deputado federal pelo PSDB. Este artigo foi publicado originalmente no jornal "O Vale", na edição de 15 de janeiro

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